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PL que afrouxa licenciamento da BR-319 é aprovado na Câmara

O autor do projeto foi o deputado federal Maurício Carvalho (União Brasil/RO), mas contou com as assinaturas de quase toda a bancada do Amazonas na Câmara Federal: Adail Filho e Silas Câmara (ambos do Republicanos), Amon Mandel (Cidadania), Fausto Santos Jr. e Saullo Vianna (ambos do União Brasil), Sidney Leite (PSD) e Átila Lins (PSD)

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 4994/2023. O texto reconhece a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) “como infraestrutura crítica, indispensável à segurança nacional e estabelece a garantia de sua trafegabilidade”, afrouxando as regras de licenciamento ambiental para a obra. Ambientalistas e representantes de povos indígenas alertam que o projeto é inconstitucional e representa risco ao meio ambiente e povos indígenas na região.

O autor do projeto foi o deputado federal Maurício Carvalho (União Brasil/RO), mas contou com as assinaturas de quase toda a bancada do Amazonas na Câmara Federal: Adail Filho e Silas Câmara (ambos do Republicanos), Amon Mandel (Cidadania), Fausto Santos Jr. e Saullo Vianna (ambos do União Brasil), Sidney Leite (PSD) e Átila Lins (PSD). O texto será enviado ao Senado.

O projeto torna a BR-319 uma obra de infraestrutura prioritária em qualquer plano nacional de desenvolvimento ou de aceleração econômica. O ponto mais preocupante é que ele afirma que a recuperação da rodovia não dependeria de licença ambiental específica para atividades previstas no texto que já tenham a viabilidade ambiental atestada pelo órgão ambiental competente, no caso, o Ibama, fato que até hoje não aconteceu.

Além disso, pelo PL, os atos públicos de liberação e licenciamento de pequeno e médio potencial poluidor relacionados à rodovia BR-319 deverão ser realizados por meio de procedimentos simplificados ou por adesão e compromisso, inclusive os serviços acessórios ou necessários à realização das obras da rodovia.

Fundo Amazônia

O projeto permite a utilização do Fundo Amazônia na obra. O fundo é composto principalmente por recursos de doações de outros países, como Noruega e Alemanha, cujo uso é condicionado a ações de redução das emissões de gases de efeito estufa provocadas pelo desmatamento.

As licenças ambientais envolvidas são consideradas pelo texto de pequeno e médio potencial poluidor, incluindo canteiro de obras, área de empréstimo e de deposição, usinagem de pavimento asfáltico e concreto, terraplenagem e construção de dormitórios e locais de passagem.

Controvérsias ambientais

A BR-319 é uma obra extremamente controversa. Diversos ambientalistas apontam que sua reconstrução trará profundos impactos ambientais para a floresta e povos indígenas na região. Nos últimos anos, a rodovia tem se tornado fonte de desmatamento e queimadas, contribuindo de maneira decisiva no problema da fumaça que encobriu cidades do Amazonas entre agosto e novembro deste ano.

“É importante frisar também que você tem vários estudos científicos mostrando que essas justificativas a qual o projeto foi embasado são completamente falsas. Estudos revisados pelos pares publicados em revistas de excelência, como a própria Science, por exemplo”, alerta Lucas Ferrante, doutor em Biologia (Ecologia) e pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Segundo monitoramento feito pelo Observatório BR-319, de agosto a novembro de 2023, durante a chamada “temporada do fogo” no Amazonas, o estado teve mais de 17 mil focos de calor. Desses, aproximadamente 40% se concentraram em 12 municípios da área de influência da BR-319, que registraram mais de 7 mil focos de calor em seus territórios.

Ainda de acordo com o Observatório, os municípios de Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Porto Velho e Tapauá, no interior do Amazonas, foram responsáveis por 94% do desmatamento registrado na área de influência da BR-319 em 2022. Juntos, somaram 159.659 hectares (ha) desmatados, uma área equivalente a quase 160 mil campos de futebol.

“Se aprovado, isso demonstra claramente uma tentativa de vários deputados de criar uma narrativa da viabilidade da rodovia BR 319. E aí nós precisamos que o Ministério Público investigue as conexões desses deputados que votaram a favor de um projeto sem base científica nenhuma, com afirmações falaciosas e também de que o Ministério Público judicializar para anular um projeto de lei baseado em mentiras e também que viola a Constituição”, opina Ferrante.

Convenção 169 da OIT

Segundo o Observatório BR-319, a repavimentação da rodovia pode colocar comunidades indígenas na região em risco. O povo Katawixi, por exemplo, que vive em isolamento voluntário na Terra Indígena (TI) Jacareúba-Katawixi, localizada na área de influência da BR-319, é o mais vulnerável a ameaças.

Não consta no PL 4994/2023 nenhuma referência a consulta a esses povos, o que viola a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, do qual o Brasil é signatário. A convenção torna obrigatória a consulta aos povos indígenas sempre que medidas legislativas ou administrativas as afetem diretamente. Tais medidas podem, por exemplo, dizer respeito à elaboração de legislação nacional referente a consultas ou à construção de infraestrutura viária nas terras de uma comunidade indígena específica.

Aprovada em 1989 com o objetivo de afastar práticas discriminatórias que afetam povos indígenas e tradicionais e assegurar a participação deles na tomada de decisões que impactam suas vidas, a Convenção 169 passou a integrar a legislação brasileira em 2004. O documento é considerado um estatuto protetivo para as comunidades, uma vez que se baseia no respeito à cultura e a forma de vida desses povos e reconhece os direitos sobre a terra e os recursos naturais.

“Primeiro, é importante lembrar que no Brasil prevalece a ordem constitucional, a ordem normativa e a hierarquia das leis decorre de um entendimento da constituição federal. Então, nenhum Projeto de Lei pode prevalecer se ele viola princípios básicos do sistema republicano”, explica Beto Marubo, Membro da Organização Representativa dos Povos Indígenas da Terra do Vale do Javari e representante da Univaja em Brasília.

“Apesar da câmara deliberar sob regime de urgência ou buscar um flexibilização do processo legislativo para estabelecer ou reconhecer uma obra pública como sendo uma obra de interesse nacional isso não prospera no mundo dos fatos, pois o ordenamento jurídico brasileiro, entre outras coisas, reconhece garantias prerrogativas do cidadão brasileiro à partir do seu status constitucional”, alerta Marubo.

Beto Marubo acredita que, diante dessa situação, caberá aos representantes legais dos povos indígenas questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF). “Essa lei nasce com alguns requisitos que não foram observados. Ela não pode prevalecer no mundo do direito. Com certeza as organizações indígenas vão combater isso no Supremo por ser uma lei irregular, inconstitucional que não pode surtir efeitos porque nos seus tramites ela não observou critérios que a própria constituição estabeleceu”, afirma.


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