Em 2017, o governo do então presidente Michel Temer (MDB) aprovou a nova e atual política de ensino médio do país. A promessa era tornar a escola mais atrativa e evitar que os estudantes abandonassem os estudos. Especialistas, no entanto, afirmam que a proposta piora significativamente a educação no país e causa graves distorções.
Vale ressaltar que a crítica ao modelo não parte apenas dos especialistas e das associações educacionais, mas também parte dos movimentos de profissionais da educação básica e de estudantes. A principal delas é a de que o novo Ensino Médio aprofunda as desigualdades sociais e econômicas do país, principalmente com a criação dos chamados itinerários formativos, que são disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes poderão escolher no ensino médio.
A implementação desse novo modelo acontecerá ocorre de forma escalonada até 2024. Em 2022, ela começou pelo 1º ano do ensino médio com a ampliação da carga horária para pelo menos cinco horas diárias. Pela lei, para que ele seja possível, as escolas devem ampliar a carga horária para 1,4 mil horas anuais, o que equivale a sete horas diárias. Em 2023, a implementação segue com o 1º e 2º anos e os itinerários devem começar a ser implementados na maior parte das escolas. Em 2024, o ciclo de implementação termina, com os três anos do ensino médio.
Com o novo Ensino Médio, parte das aulas será comum a todos os estudantes do país, direcionada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Na outra parte da formação, os próprios alunos poderão escolher um itinerário para aprofundar o aprendizado. Entre as opções, está dar ênfase, por exemplo, às áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ao ensino técnico. A oferta de itinerários, entretanto, vai depender da capacidade das redes de ensino e das escolas. E é aí que mora o problema.
Pressão do setor privado
A reforma do Ensino Médio aconteceu após forte pressão de agentes do setor privado, como o Instituto Lemman, Airton Senna, Itaú, entre outros. Entidades educacionais afirmam ainda que o Google, com suas ferramentas Google Meet e Google ClassRoom – uma das mais utilizadas nesse período no país, especialmente depois do início da pandemia – também possuíam interesse na mudança, em virtude do ensino à distância.
A desculpa usada por esses grupos e pelos defensores do Novo Ensino Médio era dar mais liberdade para que as/os estudantes trilhassem seus caminhos formativos, dando a estes estudantes liberdade e autonomia. Na prática, no entanto, a situação é bem diferente.
Desigualdades
Enquanto as escolas privadas oferecem laboratórios de robótica como possibilidade de escolha, as escolas públicas, por não possuírem o mesmo nível de investimento e infraestrutura, oferecem oficina de brigadeiro e ovos de Páscoa, o que distorce a oferta educacional para os alunos.
“Diante deste exemplo, eu pergunto: onde está a liberdade de escolha e autonomia dos estudantes? Além disso, atualmente nós temos 27 Ensinos Médios em exercício no país e somente um Exame Nacional do Ensino Médio unificado, que define quais estudantes estarão aptos a ingressar nas universidades federais do país. Você consegue entender os inúmeros problemas?”, enumera Leonardo Peixoto, pedagogo, mestre e doutor em Educação e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
“Ela aprofunda desigualdades educacionais, piora as condições de escolarização, especialmente dos estudantes mais pobres, além de não cumprir nenhuma das promessas que ela fez para os estudantes: liberdade de escolha, qualificação profissional e expansão de carga horária. Os estudantes não podem escolher nada. Alguns estão escolhendo itinerários por sorteio. Isso sem contar a brutal expansão do ensino à distância”, afirma Fernando Cássio, doutor em Ciências pela USP e professor da UFABC. Integra a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Cássio lembrou ainda um dado importante: enquanto na escola pública, algumas disciplinas importantes estão sendo suprimidas por falta de professores ou estrutura, elas seguem acontecendo normalmente no setor privado. O problema é que na hora da prestação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), todos terão o mesmo desafio pela frente, ainda que nem todos tenham cursado as mesmas disciplinas.
O que deve acontecer?
Recentemente, o ministro da Educação, Camilo Santana, reconheceu que o novo ensino médio precisa ser corrigido. “Já identificamos que há necessidade de correções, necessidade de um bom debate. Porém, acho que é do processo democrático, até porque o ensino médio já está em andamento na sua implementação, [acho que] é importante ouvir as entidades, os especialistas da área, os estudantes, professores, para que a gente possa, com muita responsabilidade, tomar decisões. Nosso grande objetivo é garantir qualidade”, disse.
Mas na avaliação dos especialistas ouvidos pelo Vocativo, reformar o sistema não é o bastante. “Eu considero que o governo deveria revogar o novo ensino médio e fazer uma nova discussão com a sociedade sobre os rumos que devemos tomar. O MEC recompôs o Fórum Nacional de Educação, creio que este deva ser um importante espaço-tempo para discussão dessa questão. Não que antes estivesse tudo bem com o Ensino Médio, mas a mudança atual é muito pior”, sugere Leonardo Peixoto.
“Eu defendo a revogação imediata”, explica Fernando Cássio. Segundo o professor, não basta revisar o novo modelo, uma vez que ele altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDO). Cássio não acredita que Camilo Santana tomará medidas efetivas de mudança por julgar que o ministro está alinhado ideologicamente com as empresas que promoveram o lobby pela reforma. “O governo deveria apoiar o movimento pela revogação para que se possa construir um processo legislativo pra aprovar uma lei e revogar a reforma do Ensino Médio”, defende.
Fernando Cássio afirma ainda que revogar o Novo Ensino Médio não significa retomar o modelo anterior, mas sim criar um modelo de fato de consenso com toda a sociedade brasileira. “As pessoas vão perguntar se o modelo anterior é bom, mas essa pergunta está errada. Não é que o ensino médio anterior é bom. O novo é que é pior. Mas nós devemos estancar essa tragédia antes que ela se aprofunde”, afirma.