Amazônia Contexto

A obsessão dos militares brasileiros com o solo da Amazônia

Há um elemento que há décadas está presente no lobby pela extração mineral na Amazônia: oficiais das forças armadas brasileiras

Nos últimos anos, o lobby pela exploração do solo amazônico encontrou terreno fértil no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Como consequência, a destruição ambiental, o garimpo e a tramitação de propostas no Congresso Nacional que favorecem a extração de minérios acelerou como nunca. E dentre os principais atores nesse lobby, há uma figura que aparece de maneira quase onipresente: oficiais das forças armadas brasileiras.

Em abril, o relatório Dinamite pura: como a política mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climática e anti-indígena, elaborado pelo Observatório da Mineração e Sinal de Fumaça, organizações da sociedade civil que tratam o tema, mostrou que membros da cúpula federal bolsonarista favoreceram o lobby do garimpo ilegal, o que resultou na explosão da atividade em terras indígenas e unidades de conservação.

Enquanto isso, a mineração escolheu outra frente de ataque mais eficaz: o Congresso nacional. E nesse campo conseguiu conquistas importantes e ainda tem ambições maiores, como a exploração de terras indígenas. E o pior: são próximos do governo Lula.

Origem histórica

A relação entre militares e Amazônia foi alvo de estudo da professora Adriana Aparecida Marques do curso de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. De acordo com a pesquisa, a identificação da Amazônia como prioridade estratégica das Forças Armadas vai além da segurança e defesa.

A importância atribuída à região amazônica pelos militares resulta de uma intrincada relação entre interesses e elementos simbólicos. A categoria enxerga na região não apenas um espaço para ser defendido, mas para ajudar na construção do estado através da exploração.

Ações no Congresso

No Congresso, uma das principais iniciativas para acelerar a atividade foi o Projeto de Lei 191/2020, assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e pelo ex-ministro de Minas e Energia (MME) e Almirante de Esquadra Bento Albuquerque. O objetivo seria liberar totalmente a mineração em terras indígenas. Em carta divulgada em maio de 2022 na revista Science, cientistas alertaram que o Projeto de Lei configura sério risco para a Amazônia e os Povos Indígenas.

Ainda em 2022, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 1133/22, que permite a atuação da iniciativa privada na pesquisa e lavra de minérios nucleares, mas mantém o monopólio da atividade nas Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), conforme prevê a Constituição. A MP foi enviada ao Senado e segue em tramitação.

Defensores da extração

Em novembro de 2019, o então vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, disse aos participantes de simpósio sobre a Amazônia na Câmara dos Deputados que a região precisa ser integrada ao restante do País por meio de obras de infraestrutura e atividades econômicas como a mineração.

Mourão falou inclusive sobre um caso que tem se tornado emblemático. “Eu lembro que temos uma enorme riqueza de potássio na região de Autazes (no interior do Amazonas), que está há alguns anos aguardando a liberação. Existe a empresa pronta para trabalhar aquilo. E que significaria para o estado do Amazonas uma renda anual de R$ 10 bilhões e também libertaria o País da dependência de potássio para fabricação dos nossos fertilizantes”, afirmou.

“Isso tudo está muito bem provado e documentado com uma série de reuniões envolvendo esses militares, seja o próprio Bolsonaro, Mourão e o general Augusto Heleno, ex-ministro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ou o próprio Bento Albuquerque. Vários integrantes desse governo se envolveram no lobby tanto da mineração quanto do garimpo. Vale lembrar ainda que vários órgãos como o Ibama, o ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente foram militarizados”, explica o fundador e diretor do Observatório da Mineração, Maurício Ângelo.

Mais recentemente, no dia 19 de abril deste ano, durante a Operação Déjà Vu, agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) prenderam dois oficiais militares que estavam prestando serviço de segurança em um garimpo ilegal na região conhecida como Filão dos Abacaxis, sul do município do Maués, no interior do Amazonas. Questionado pelo Vocativo, o ICMBio afirmou que não poderia divulgar detalhes. O Ministério da Defesa também não retornou o contato do site até a publicação desta matéria.

Lobby internacional

Segundo reportagem da Agência Pública de fevereiro de 2022, o banco canadense Forbes & Manhattan contornou dificuldades com seus negócios bilionários na Amazônia se aproximando de membros ligados às Forças Armadas no Executivo, chegando até Mourão – com quem tratou diretamente, em reuniões exclusivas em Brasília. Há anos, o banco canadense tenta liberar os licenciamentos ambientais de mineradoras ligadas a ele, no Amazonas e no Pará.

No Brasil, esse lobby tem um representante formal: o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Segundo Maurício Ângelo, grande parte desse lobby mineral foi feito pelo IBRAM, que divulga dados oficiais do setor e representa cerca de 90% das empresas que atuam no Brasil, que são associações multinacionais do setor e ficou muito próximo do governo passado. Detalhe: o atual diretor presidente do IBRAM é o ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann.

Jungmann foi ministro do Desenvolvimento Agrário e ministro extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, além de ministro da Defesa e ministro extraordinário da Segurança Pública do governo Temer. O ex-ministro sempre foi visto como interlocutor de militares e é sempre fonte ouvida por jornalistas de grandes veículos do país sobre o assunto.

Pra se ter uma ideia, o IBRAM conseguiu com uma portaria do Ministério das Minas e Energia (MME) – na época chefiada por Bento Albuquerque – que a mineração fosse aprovada como atividade essencial no início da pandemia em março de 2020. Em boa parte do resto do mundo, a atividade foi suspensa no momento mais crítico da crise sanitária. Com isso, muitos trabalhadores do setor continuaram aglomerados nas minas, ônibus e alojamentos utilizados na atividade no momento em que não havia vacina. Com isso, vários foram contaminados e morreram de Covid-19.

Proximidade do poder

Se a consequência desse ato para os trabalhadores foi o contágio, para os donos das mineradoras, foi o lucro estratosférico. Só no triênio 2020/2021/2022 o setor lucrou R$ 330 bilhões. Nunca se lucrou tanto na história da mineração brasileira.

Exatamente por esse fator, as grandes mineradoras são sempre figuras próximas dos governos. Ao contrário do garimpo, que foi acolhido como aliado próximo do governo Bolsonaro. “Esse lobby foi muito presente nesse governo e parceiro diretamente do MME e diga-se, também é muito próximo do governo Lula”, afirma Maurício Ângelo.

O pesquisador afirma ainda que há uma mudança no cenário atual, onde as próprias mineradoras, na figura do IBRAM, se uniu ao novo governo fazendo do garimpo um inimigo. “A relação com a mineração industrial é diferente e vale apena a imprensa, as ONG’s e movimentos sociais ficarem de olho nisso”, alerta Maurício.

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