Territórios

COP30 acontecerá no estado mais violento contra defensores ambientais

Estudo revela que, entre 2023 e 2024, 486 pessoas e coletivos foram vítimas de violência por defender direitos humanos no Brasil. O Pará, sede da COP30, lidera os casos, com 94% das vítimas atuando na proteção ambiental

Mesmo com avanços pontuais na política pública de proteção, pessoas e coletivos que defendem os direitos humanos seguem sendo alvos de assassinatos, ameaças, atentados e perseguições no Brasil. É o que revela o relatório Na Linha de Frente — Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2023–2024), lançado pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos.

O estudo mapeou 318 episódios de violência entre 2023 e 2024, que atingiram diretamente 486 vítimas — sendo 364 pessoas e 122 coletivos. Na série histórica entre 2019 e 2024, o número total de casos soma 1.657. Apenas nos dois primeiros anos do atual governo federal, foram registrados 55 assassinatos, 96 atentados à vida, 175 ameaças e 120 episódios de criminalização. O número real de vítimas pode ser ainda maior, uma vez que em muitos ataques coletivos não foi possível identificar quantas pessoas foram efetivamente atingidas.

Apesar da redução no total de casos registrados em 2024 em relação ao ano anterior, a frequência de violações segue elevada: em média, uma pessoa sofre violência por defender direitos humanos a cada 36 horas no Brasil.

Segundo Darci Frigo, coordenador executivo da Terra de Direitos, a persistência da violência demonstra que esforços pontuais no Executivo federal não são suficientes. “O estudo evidencia que há outros atores — públicos e privados — atuando no terreno, como as forças políticas regionais ou locais que se mobilizam para bloquear esses avanços, usando da criminalização via poder judiciário, ou da violência através da pistolagem, das polícias militares ou, o que é novo, a invasão do crime organizado nos territórios.”

O relatório mostra que milícias rurais, o crime organizado e agentes do Estado, como as polícias Militar e Civil, estiveram envolvidos em diversas violações. Em 45 episódios, policiais militares aparecem como autores das violências, sendo responsáveis por ao menos cinco assassinatos. Armas de fogo foram utilizadas em 78,2% dos homicídios. A maioria das vítimas atuava na defesa da terra, dos territórios e do meio ambiente — causas presentes em 87% dos assassinatos documentados.

Do total de 486 casos mapeados entre 2023 e 2024, 80,9% ocorreram contra pessoas e coletivos que atuam na defesa ambiental e territorial. Lideranças indígenas, quilombolas e camponesas estão entre os principais alvos, geralmente por se oporem a interesses de grileiros, empreendimentos extrativistas e grandes obras.

A violência tem um recorte racial, de gênero e de território bem definido. Dos 55 assassinatos documentados no período, 78% das vítimas eram homens cisgênero, 36,4% eram negras e 34,5% indígenas. Apenas 9,1% das vítimas eram brancas, o que revela o caráter seletivo, estrutural e racista da violência. A maioria dos crimes ocorreu em áreas rurais e territórios tradicionais.

Mulheres também seguem sendo alvo de violações. O estudo identificou 12 assassinatos de defensoras — 10 mulheres cisgênero e 2 mulheres trans. O caso emblemático de Mãe Bernadete, yalorixá e líder quilombola, assassinada com 25 tiros dentro de casa mesmo sob proteção oficial, evidencia os riscos enfrentados por mulheres negras, indígenas e LGBTQIAPN+ em posições de liderança política ou espiritual.

Sede da COP30 lidera ranking da violência

O estado do Pará lidera o ranking de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos, com 103 casos registrados. Desses, 94% foram contra pessoas que atuam na defesa do meio ambiente e dos territórios. Os dados revelam uma contradição central: o estado que sediará a COP30, a conferência da ONU sobre o clima em 2025, é o que mais concentra ataques contra aqueles que lutam para proteger a Amazônia.

Além das formas diretas de violência, o estudo denuncia o crescimento da criminalização institucional. Empresas e autoridades locais têm recorrido a ações judiciais para intimidar defensoras e defensores. Um dos exemplos citados é a atuação da mineradora Belo Sun, no Pará, que buscou judicialmente a criminalização de mais de 30 pessoas — entre agricultores, lideranças e movimentos sociais — como forma de retaliação às denúncias feitas contra o empreendimento. Essa prática, conhecida como “litigância predatória”, transforma o sistema de Justiça em instrumento de repressão, enfraquecendo o direito à resistência e à autodeterminação dos povos.

Embora o governo federal tenha reativado ministérios e conselhos participativos voltados à pauta dos direitos humanos, o relatório aponta que a política pública de proteção ainda carece de estrutura, orçamento e efetividade. O Grupo de Trabalho Interministerial Sales Pimenta, criado para elaborar o plano da Política Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (PNPDDH), concluiu o documento em dezembro de 2024, mas sua publicação como decreto ainda não foi feita.

Sandra Carvalho, cofundadora da Justiça Global, defende que o país avance na institucionalização dessa política: “É importante que o Brasil fortaleça a política pública de proteção, institucionalizando um sistema nacional de proteção de defensoras e defensores de direitos humanos e, sobretudo, avance nas investigações e na responsabilização de pessoas que cometem crimes de ameaças, homicídios, atentados, entre outros, enfrentando o grave quadro de impunidade.”

As organizações responsáveis pelo estudo cobram também o cumprimento integral do Acordo de Escazú — tratado internacional que garante acesso à informação, à participação pública e à proteção de defensoras e defensores ambientais na América Latina e Caribe. Embora o Brasil seja signatário, ainda não há implementação plena dos mecanismos previstos no acordo.


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