Contexto

Violência contra povos indígenas cresce em 2022

O governo Bolsonaro foi marcado por conflitos e a grande quantidade de invasões e danos aos territórios indígenas, que avançaram lado a lado com o desmonte das políticas públicas voltadas aos povos originários. Esta é a realidade retratada pelo relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e divulgado nesta quarta-feira (26/07/2023).

Este cenário ficou evidenciado por eventos que causaram grande comoção e tiveram repercussão nacional e internacional, como os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, mortos em junho na região da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, no Amazonas. Outros incidentes como as invasões garimpeiras ao território Yanomami, também geraram enormes danos ambientais e uma crise sanitária sem precedentes.

O relatório mostra ainda que além dos discursos do próprio presidente da República, essa postura também ficou registrada no posicionamento recorrente de órgãos como a Advocacia-Geral da União (AGU) e a própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A atuação desses órgãos em processos judiciais e administrativos foi quase sempre contrária aos direitos dos povos originários e favorável, especialmente, aos interesses econômicos do agronegócio e da mineração.

Em 2022, essa postura se refletiu no alto número de casos registrados nas categorias conflitos por direitos territoriais, com 158 registros, e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio, com 309 casos que atingiram pelo menos 218 terras indígenas em 25 estados do país.

Em muitos estados, como Mato Grosso do Sul, Maranhão e Bahia, os conflitos e a total falta de proteção aos povos indígenas resultaram em assassinatos de indígenas, inclusive com o envolvimento de forças e agentes policiais atuando como “segurança privada” para fazendeiros. Na TI Comexatibá, no extremo sul da Bahia, Gustavo Silva da Conceição, garoto Pataxó de apenas 14 anos, foi brutalmente assassinado durante um dos vários ataques a tiros efetuados por grupos que os indígenas definem como “milicianos”.

Violência contra o Patrimônio

As “Violências contra o Patrimônio” dos povos indígenas, apresentadas no primeiro capítulo do relatório, são divididas em três categorias: omissão e morosidade na regularização de terras, na qual foram registrados 867 casos; conflitos relativos a direitos territoriais, com 158 registros; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, categoria que teve o sétimo aumento sucessivo no número de casos, com 309 registros.

Somados, estes registros totalizam 1.334 casos de violência contra o patrimônio dos povos indígenas em 2022. Entre os principais tipos de danos ao patrimônio indígena registrados no referido ano, destacam-se os casos de extração de recursos naturais como madeira, garimpo, caça e pesca ilegais e invasões possessórias ligadas à grilagem de terras.

A maioria das 1.391 terras e demandas territoriais indígenas existentes no Brasil (62%) possui alguma pendência administrativa para sua regularização, como aponta o levantamento do Cimi, atualizado anualmente. Dentre as 867 terras indígenas com pendências, pelo menos 588 não tiveram nenhuma providência do Estado para sua demarcação e ainda aguardam a constituição de Grupos Técnicos (GTs) pela Funai, responsável por proceder com a identificação e delimitação destas áreas.

Violência contra a Pessoa

O segundo capítulo do relatório reúne os casos de “Violência contra a Pessoa”. Nesta seção, foram registrados os seguintes dados: abuso de poder (29); ameaça de morte (27); ameaças várias (60); assassinatos (180); homicídio culposo (17); lesões corporais dolosas (17); racismo e discriminação étnico-cultural (38); tentativa de assassinato (28); e violência sexual (20).

Os registros totalizam 416 casos de violência contra pessoas indígenas em 2022. Tomados em conjunto, os quatro anos sob o governo de Jair Bolsonaro apresentaram uma média de 373,8 casos de Violência contra a Pessoa por ano – nos quatro anos anteriores, sob os governos de Michel Temer e Dilma Rousseff, a média foi de 242,5 casos anuais.

Em 2022, assim como nos três anos anteriores, os estados que registraram o maior número de assassinatos de indígenas foram Roraima (41), Mato Grosso do Sul (38) e Amazonas (30), segundo dados da Sesai, do SIM e de secretarias estaduais de saúde. Esses três estados concentraram quase dois terços (65%) dos 795 homicídios de indígenas registrados entre 2019 e 2022: foram 208 em Roraima, 163 no Amazonas e 146 no Mato Grosso do Sul.

Dentre estes casos, destacam-se os assassinatos de lideranças Guarani e Kaiowá como Marcio Moreira e Vitorino Sanches, nos meses seguintes ao caso conhecido como “massacre do Guapoy”, que vitimou o Kaiowá Vitor Fernandes; e o assassinato de três Guajajara da TI Arariboia – Janildo Oliveira, Jael Carlos Miranda e Antônio Cafeteiro – mortos em setembro de 2022, no espaço de tempo de apenas duas semanas.

Também foi registrada uma grande quantidade de casos de ameaças e tentativas de assassinatos contra indígenas. Elas foram praticadas, em geral, por fazendeiros, garimpeiros, madeireiros, pescadores e caçadores.

O elevado número de casos de abuso de poder também foi uma constante durante os quatro anos do governo Bolsonaro: foram 89 casos no total, uma média de 22,2 casos por ano – mais de duas vezes maior do que a dos quatro anos anteriores, sob os governos de Dilma e Temer, quando foram registrados, em média, 8,7 casos por ano. Estas categorias refletem o ambiente de degradação institucional e desmonte dos mecanismos de proteção aos povos originários no período.

Violência por Omissão do Poder Público

Os casos de “Violência por Omissão do Poder Público” são sistematizados no terceiro capítulo do relatório, organizado em sete categorias. Com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), o Cimi obteve da Sesai informações parciais sobre as mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos de idade. Os dados fornecidos pela Secretaria revelam a ocorrência de 835 mortes de crianças indígenas desta faixa etária em 2022. A maioria das mortes foi registrada no Amazonas (233), em Roraima (128) e em Mato Grosso (133).

Em todo o Brasil, a Sesai registrou um total de 3.552 óbitos nesta faixa etária entre 2019 e 2022. Considerado o período de quatro anos, os mesmos três estados concentraram a maioria dos óbitos: foram, no total, 1.014 mortes de crianças menores de cinco anos no Amazonas, 607 em Roraima e 487 em Mato Grosso, segundo dados atualizados obtidos junto à Sesai.

O DSEI Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY), que cobre a TI Yanomami e estende-se entre os estados de Roraima e Amazonas, registrou 621 mortes de crianças de 0 a 4 anos entre 2019 e 2022, concentrando 17,5% de todas as mortes de crianças indígenas nesta faixa etária. Segundo o DSEI-YY, a população na TI Yanomami é estimada em aproximadamente 30,5 mil pessoas – o que corresponde a apenas 4% do total de indígenas atendidos pela Sesai, como indicam as informações públicas da Secretaria. O fato de que parte da estrutura de saúde da TI foi apropriada por garimpeiros, em regiões isoladas e de difícil acesso, indica que a realidade certamente é ainda mais grave do que os dados oficiais reconhecem.

Informações de fontes públicas, obtidas junto ao SIM e a secretarias estaduais de saúde, indicaram a ocorrência de 115 suicídios de indígenas em 2022, a maioria nos estados do Amazonas (44), Mato Grosso do Sul (28) e Roraima (15). Mais de um terço das mortes por suicídio (39, equivalentes a 35%) ocorreu entre indígenas de até 19 anos de idade.

Entre 2019 e 2022, dados atualizados destas mesmas fontes totalizam 535 mortes de indígenas por suicídio. Neste período, os mesmos três estados registraram o maior número de casos: Amazonas (208), Mato Grosso do Sul (131) e Roraima (57) concentraram, juntos, 74% dos suicídios indígenas ao longo destes quatro anos.

Ainda neste capítulo, foram registrados os seguintes dados referentes ao ano de 2022: desassistência geral (72 casos); desassistência na área de educação (39); desassistência na área de saúde (87); disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (5); e morte por desassistência à saúde (40), totalizando 243 casos.

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