Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu nesta terça-feira (14/06/2022) salvo-conduto para garantir a três pessoas que possam cultivar Cannabis sativa (maconha) com a finalidade de extrair óleo medicinal para uso próprio, sem o risco de sofrerem qualquer repressão por parte da polícia e do Judiciário.
Ao julgar dois recursos sobre o tema, um de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz (em segredo de Justiça) e o outro do ministro Sebastião Reis Júnior, o colegiado concluiu que a produção artesanal do óleo com fins terapêuticos não representa risco de lesão à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido pela legislação antidrogas.
Os casos julgados pela turma dizem respeito a três pessoas que já usam o canabidiol – uma para transtorno de ansiedade e insônia; outra para sequelas do tratamento de câncer, e outra para insônia, ansiedade generalizada e outras enfermidades – e têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar a substância. No entanto, elas alegaram dificuldade para continuar o tratamento, em razão do alto custo da importação.
Segundo o ministro Schietti, uma vez que a produção artesanal do óleo da Cannabis sativa se destina a fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo assinado por médico e chancelado pela Anvisa ao autorizar a importação, “não há dúvidas de que deve ser obstada a repressão criminal” sobre a conduta dessas pessoas.
Para o ministro Sebastião Reis Júnior, as normas penais relativas às drogas procuram tutelar a saúde da coletividade, mas esse risco não se verifica quando a medicina prescreve as plantas psicotrópicas para o tratamento de doenças.
Laudo médico dispensa realização de perícia
Em um dos casos, o Ministério Público Federal recorreu ao STJ após o Tribunal Regional Federal da 3ª Região dar provimento a recurso e conceder habeas corpus preventivo para permitir o plantio da maconha e a produção artesanal do óleo. O órgão de acusação alegou, entre outros pontos, que o habeas corpus não seria a via processual adequada para esse tipo de pedido, pois a falta de regulamentação de tais atividades seria uma questão eminentemente administrativa.
No recurso, o Ministério Público argumentou que o pedido dos pacientes exigiria a produção de provas – que é vedada em habeas corpus –, inclusive a realização de perícia médica. Segundo Schietti, a necessidade de produção de provas foi afastada no caso, tendo em vista que os pacientes apresentaram provas pré-constituídas de suas alegações, as quais foram consideradas suficientes pelo tribunal de segunda instância – como o fato de que estavam autorizados anteriormente pela Anvisa para importar medicamento com base em extrato de canabidiol para tratar doenças comprovadas por laudos médicos.
Em acréscimo, o ministro lembrou que, no julgamento do Tema 106 dos recursos repetitivos, o STJ decidiu que o fornecimento de medicamentos por parte do poder público pode ser determinado com base em laudo subscrito pelo próprio médico que assiste o paciente, sem necessidade de perícia oficial.
Omissão
Schietti destacou que, embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, que as autoridades competentes autorizem a cultura de Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos, a matéria ainda não tem regulamentação específica.
Para o magistrado, a omissão dos órgãos públicos “torna praticamente inviável o tratamento médico prescrito aos pacientes, haja vista o alto custo da importação, a irregularidade no fornecimento do óleo nacional e a impossibilidade de produção artesanal dos medicamentos prescritos”.
O ministro Sebastião Reis Júnior acrescentou que essa omissão regulamentar cria uma segregação entre os doentes que podem custear o tratamento, importando os medicamentos à base de canabidiol, e os que não podem.
“A previsão legal acerca da possibilidade de regulamentação do plantio para fins medicinais, entre outros, permite concluir tratamento legal díspar acerca do tema: enquanto o uso recreativo estabelece relação de tipicidade com a norma legal incriminadora, o uso medicinal, científico, ou mesmo ritualístico-religioso não desafia persecução penal dentro dos limites regulamentares”, declarou.