Amazônia

Samel fez lobby na Anvisa por liberação e produção em escala da proxalutamida

A rede de hospitais Samel, no Amazonas, não serviu apenas como campo de estudo na pesquisa com o medicamento proxalutamida para o tratamento da Covid-19. Documentos obtidos pelo Vocativo comprovam que o grupo atuou junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tentar produzir e utilizar o medicamento em larga escala em todo o país, antes mesmo da publicação do resultado do ensaio clínico ocorrido no estado em janeiro de 2021.

O estudo da proxalutamida para o tratamento da Covid-19, feito em hospitais da rede privada Samel no Amazonas em janeiro deste ano, foi alvo de diversas denúncias de irregularidades. A Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), pediu à Procuradoria Geral da República (PGR) a investigação sobre as mortes de 200 pessoas que participaram do estudo. O caso foi explicado no episódio 35 do Provocativo.

Segundo ata de reunião a qual o Vocativo teve acesso (e está no final da página), no dia 08 de abril de 2021, a direção da Samel esteve reunida com a Anvisa para tratar do ensaio clínico. O objetivo era tratar da liberação pela agência para a produção em escala da droga pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), uma unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz, que atua na produção de medicamentos.

A empresa afirmou ainda que estava fazendo “interlocuções” com a Fiocruz sobre os testes com a proxalutamida. Aí vem a parte mais estranha dessa história. Quando procurada pelo Vocativo, a Fiocruz afirmou que o questionamento deveria ser feito à Samel. Essa, por sua vez devolveu a pergunta, repassando a responsabilidade pelo questionamento à Fiocruz.

Durante a mesma reunião, a Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED) informou que ainda não tinha tido acesso ou recebido os dados existentes no protocolo executado pelos pesquisadores do grupo Samel no estudo ocorrido no Amazonas. Questionada pelo Vocativo sobre o motivo de não ter encaminhado o resultado dos testes para a Anvisa ou sobre quando isso seria feito, a Samel não respondeu.

No último dia 24 de janeiro, o Grupo Samel e o Dr. Flávio Cadegiani, um dos responsável pelo estudo da Proxalutamida no Brasil, apresentaram os resultados finais da pesquisa sobre o uso do medicamento em coletiva de imprensa realizada na sede da empresa, no centro de Manaus. O ensaio foi publicado no controverso periódico Cureus. A revista é considerada predatória por diversos pesquisadores. Cadegiani foi indiciado pela CPI da Pandemia no Senado por crime contra a humanidade pelo estudo.

Em setembro de 2021, a Diretoria Colegiada da Anvisa decidiu, por unanimidade, suspender a importação e o uso de produtos contendo a substância proxalutamida, no âmbito de pesquisas científicas no Brasil. Após o caso, a Anvisa prometeu aprimorar a atual regulamentação sobre os procedimentos para a importação e a exportação de bens e produtos destinados à pesquisa científica ou tecnológica e à pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil.

Em outubro do ano passado, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) considerou a denúncia de 200 mortes de voluntários do estudo uma violação aos direitos humanos e uma das infrações éticas mais graves e sérias da história da América Latina. A denúncia foi feita pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) à Procuradoria-Geral da República em setembro.

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