Não basta monitorar o que acontece na superfície e no ar da Amazônia. O que está embaixo da terra também influencia diretamente na dinâmica da floresta. É o que mostra um estudo publicado nesta segunda-feira (07/08/2023) na revista “PNAS”, que traz um dado alarmante sobre o risco do processo de savanização da área entre o Rio Purus e o Madeira. O trabalho também serve como alerta contra a construção de usinas hidrelétricas na floresta.
Segundo esse levantamento, territórios com grandes períodos de inundações ao longo do ano, como as planícies de inundação do Alto Rio Negro, da região dos rios Purus e Madeira e do rio Amazonas, podem se transformar em savanas ao longo deste século. O motivo: aumento na instabilidade do seu lençol freático.
A pesquisa revela que a variação de profundidade das águas subterrâneas (os lençóis freáticos) influencia diretamente se o terreno acima será predominantemente uma floresta ou uma savana. E isso é tendência em áreas de toda a América do Sul. A vegetação de savana, por exemplo, é favorecida por um lençol freático mais instável, caracterizado pela alternância entre grandes períodos de secas e encharcamento ao longo do ano. É aí que está o problema.
Os pesquisadores partiram de dados sobre chuva, topografia, tipo de solo e relevo para construir um modelo matemático que representa a profundidade mensal do lençol freático em áreas tropicais da América do Sul, como a Amazônia e o Pantanal brasileiro. O modelo formulado mostra que planícies alagadas por grandes rios no interior da Amazônia podem ser expostas a um duplo estresse para o qual não estão preparadas, em projeções de aumento da estação seca e diminuição das chuvas na região entre os anos de 2090 e 2100.
“A área entre o Rio Purus e Madeira foi identificado por nós como uma das áreas de risco na Amazônia. São áreas que temos as grandes planícies de inundação, que enchem e esvaziam seguindo as chuvas. Com as mudanças climáticas, a tendência é que o período de seca fique mais longo. Esse aumento na seca pode expor grandes áreas da floresta ao duplo estresse, e desestabilizar a floresta”, alerta Caio Mattos, Doutor pela Universidade de Rutgers e pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Princeton e um dos autores do estudo.
Áreas habitadas
Outro problema é que essa dinâmica pode afetar e ser afetada diretamente por áreas habitadas. Embora o estudo não tenha tido esse foco, a possibilidade não está descartada, ainda que seja muito difícil prever onde exatamente isso vai acontecer.
“É uma possibilidade. Caso essas florestas que hoje não sofrem o duplo estresse sejam utilizadas por populações, principalmente de ribeirinhos e povos tradicionais, é possível que essas mesmas florestas estejam expostas ao risco de se transformarem em um tipo mais aberto de vegetação nas próximas décadas, com a tendência de mudanças climáticas que estamos vendo” afirma Caio Mattos.
Influência externa
As mudanças causadas pelo homem como desmatamento e as queimadas afetam o clima do planeta e podem interferir no regime das chuvas, certo. Isso também afeta diretamente os lençóis freáticos, como explica Caio Mattos.
“A nossa interferência no clima, que passa pelo desmatamento, pelas queimadas, pelas emissões de gases de efeito estufa, altera o regime da chuva. Como o lençol freático reflete a chuva, ele também será afetado (podemos pensar no lençol como a chuva de vários e vários meses e anos atrás, que está guardada na “esponja” do solo)”, ensina o pesquisador.
É importante destacar que embora muitas vezes as pessoas não conseguem perceber o efeito direto de, por exemplo, derrubar floresta em sua pequena propriedade, elas estão contribuindo para um “todo” de desmatamento que é muito grande e afeta a todos.
O perigo das hidrelétricas
Outra grande mudança que o homem vem empreendendo são as centrais hidrelétricas na Amazônia. Essas centrais seguram o volume de água do rio, e alteram o regime de secas e cheias. Se esses reservatórios não forem operados tendo em mente a saúde do ecossistema rio abaixo, isso pode exacerbar ainda mais esse efeito de duplo estresse.
“A gente tem que começar a pensar não só como operar essas hidrelétricas do ponto de vista de manter a saúde do rio para peixes e outros animais, mas também para manter a segurança dessas florestas inundáveis. Não podemos pensar separadamente em sociedade e ecologia. As duas coisas caminham juntas, sistemas socioecológicos”, analisa Mattos.
Cuidar do que os olhos não vêem
Para o pesquisador, além da preocupação com desmatamento, queimadas e outras atividades que o impacto visual é sob e acima da terra, essa descoberta sobre os lençóis gera uma outra perspectiva: observar o que está abaixo do solo
“Sim! Com toda certeza. “Essa pra mim talvez seja uma das maiores conclusões do artigo. Por muito tempo estudamos tudo que conseguíamos ver: fogo, chuva, solos. E agora cada vez mais percebemos que o que “não vemos”, que é o subsolo, é importante. Então nós temos que criar uma maneira de “enxergar embaixo da terra”. Precisamos monitorar a água subterrânea”, pede.
Para os autores do estudo, é preciso investir urgentemente em uma rede de monitoramento de água subterrânea para podemos acompanhar o que está acontecendo com os nossos ecossistemas e prever com mais segurança essas mudanças. Segundo eles, há centenas e centenas de quilômetros quadrados na Amazônia que não tem sequer uma observação de água subterrânea.
Detalhes do estudo
O estudo foi feito por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com universidades do exterior, entre elas, a Rutgers University, dos Estados Unidos.