O médico no Brasil, apesar da condição de profissional liberal, se vê fundamentalmente como um trabalhador, cuja inserção no mercado vem sendo cada vez mais precarizada. A observação é de pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) em estudo publicado na quarta (23/11/2022) na revista Trabalho, Educação e Saúde, editada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz.
Em pesquisa qualitativa baseada em entrevistas semiestruturadas com médicos, foram examinadas as tendências recentes da forma de inserção dos médicos no mercado de trabalho a partir da regulação das relações trabalhistas. O trabalho é o desdobramento da pesquisa “Como a atual crise reconfigura o sistema de saúde no Brasil? Um estudo sobre serviços e força de trabalho em saúde nos estados de São Paulo e Maranhão”, realizada entre 2019 e 2021, cujo objetivo central foi avaliar o impacto da crise econômica no sistema de saúde brasileiro público e privado desses dois estados.
O estudo, liderado pela economista e doutora em Medicina Preventiva, Maria Luiza Levi, da Universidade Federal do ABC, com a colaboração de seis coautores da FMUSP, mostrou que atualmente a pejotização constitui praticamente uma condição necessária para a atuação dos médicos. Embora o SUS ainda ofereça oportunidades de trabalho com carteira assinada, isso também vem diminuindo, e a pejotização tem sido frequente até na Administração Direta.
Os entrevistados afirmam que a inserção pejotizada em geral não é escolha e o profissional tampouco consegue impor condições na contratação de seus serviços, como seria esperado de uma relação entre empresas. O resultado é uma relação em que o médico acaba tendo obrigações típicas de assalariado, pois cumpre horário, metas de produção e atua em locais que pertencem a empresas.
“Porém, ele não tem acesso às contrapartidas em termos de direitos, como férias remuneradas, licença por motivo de saúde e aposentadoria. Há esquemas contratuais particularmente precários para os médicos, com risco de atraso de pagamento e até calote, situações que tendem a se intensificar a partir da flexibilização promovida pela reforma trabalhista”, observa Maria Luiza.
O estudo conclui que a inserção ‘pejotizada’ de médicos se apresenta como parte de um movimento mais geral de barateamento da força de trabalho associado à terceirização, potencializado pela reforma trabalhista. Também indica que há espaço para a exploração de políticas voltadas à gestão de trabalhadores que busquem atrair e fixar médicos no Sistema Único de Saúde.
Fonte: Agência Bori