Amazônia Eleições 2022 Opinião

“Por que Manaus, que ficou sem oxigênio, vota tanto em Bolsonaro?”

Após o resultado do primeiro turno das eleições de 2022, os críticos do presidente Jair Bolsonaro (PL) passaram a questionar como cidades e regiões mais atingidas pela pandemia da Covid-19 puderam dar tantos votos para ele. Atingida em cheio pelo colapso do oxigênio em janeiro de 2021, Manaus foi um dos alvos – inclusive de ataques xenofóbicos – de eleitores de outros estados. Mas segue a pergunta: “Por que Manaus, que ficou sem oxigênio, vota tanto em Bolsonaro?”. A resposta, no entanto, pode ser ainda mais perturbadora.

Antes de tudo: xenofobia, além de crime, é inaceitável, mesmo que venha do dito lado “progressista” dessa história. E, vamos ser bastante francos, quem elege ministros e apoiadores de Bolsonaro não tem moral para falar dos amazonenses, mesmo que no executivo ele tenha saído derrotado em seu estado. Vale lembrar que, no Amazonas, Bolsonaro perdeu.

Percepção da realidade

Dito isso, o primeiro ponto é: o eleitor amazonense, como todo, tem a real percepção do papel de Bolsonaro nessa tragédia? Veja, uma coisa é o que você ensino superior completo, acesso à internet e fontes de informação, percebe. Outra é o que uma senhora de 65 anos da periferia de Manaus, que mal sabe ler, é totalmente influenciada pelo pastor da comunidade, percebe da vida. Você não é melhor que essa pessoa, só tem mais recursos que ela. É um contexto injusto e desigual.

Ao longo dessa pandemia, enfrentamos também uma pesadíssima campanha de desinformação que tornou a realidade de algumas pessoas algo completamente distinto do que realmente acontecia. E, em parte, é preciso ser justo: Bolsonaro não foi o único responsável pelo que aconteceu ao Amazonas. Os gestores estaduais e municipais também foram decisivos no que aconteceu aqui.

Imprensa

Outro fator importante foi a falta de uma imprensa que pudesse contextualizar essa situação. Que há colegas competentíssimos aqui, não resta dúvida. Mas sob censura para questionar as autoridades locais e nacionais, bem como suas ações desastradas no combate ao coronavírus, não houve uma cobertura que pudesse traduzir para o cidadão a real dimensão da nossa tragédia. A crítica aqui é para as direções de veículos, que fique bem claro.

De nada adianta apresentar um telejornal mostrando o caos na saúde e antecipar o colapso do oxigênio, como fez brilhantemente a TV A Crítica, por exemplo, se durante o resto da programação aparece o Sikêra Jr. para desinformar sobre vacinas e enaltecer o presidente Bolsonaro. O trabalho jornalístico se perde diante do espetáculo grotesco.

Não é a Globonews quem deve nos mostrar nossa realidade. Somos nós. E sem uma imprensa forte e independente como todo – não apenas veículos pontuais – para fazer isso, o cidadão ficou à deriva, sem saber o que de fato acontecia. Não adianta apenas jogar imagens, releases ou números para a audiência, é preciso explicar o que está acontecendo.

A resposta mais plausível e aterradora

Apesar de tudo isso, é inegável que é impossível que a população de Manaus, por mais desassistida que seja, por mais desinformada que seja não poderia passar incólume diante do presidente que estivesse comandando o país na ocasião em que pessoas morreram sem ar por negligência. Muito mais um que imitou zombeteiramente as vítimas desse horror.

A verdade é que fosse qualquer outro presidente que estivesse no lugar de Bolsonaro durante essa pandemia, sofreria pesadamente as consequências dela. Se é que conseguiria chegar ao final do seu mandato. Então, a conclusão mais perturbadora a que se pode chegar é que: entre um governo de esquerda e alguém que negligenciou e condenou pessoas à morte ao ignorar apelos por oxigênio e reuniões com a Pfizer para comprar vacinas, o eleitor de Manaus preferiu o segundo.

É, eu sei. É vergonhoso, triste e revoltante, mas é a dura realidade. Veja, não se trata de ser a favor de Lula. O eleitor amazonense, especialmente o manauara, tinha obrigação moral de não reeleger os gestores públicos que participaram da gestão da pandemia que nos massacrou. Mas, diante disso e a possibilidade de um governo de esquerda, a maioria simplesmente preferiu não se importar.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: