Contexto

PL das Fake News – Parte 02: Crianças e adolescentes em Perigo

O ambiente digital onde você está lendo esse texto traz consigo diversas novas possibilidades de comunicação, negócios e interatividade. E caso você não tenha percebido, é muito difícil ficar fora dele por muito tempo. Isso porque tudo que existe na internet, especialmente nas grandes plataformas de mídia, existe para atrair e prender sua atenção. E é justamente por isso muitas dessas atrações podem ser prejudiciais para as pessoas, especialmente as mais vulneráveis. 

Com os desdobramentos da Operação Dark Room – que prendeu acusados de utilizar o aplicativo Discord para a prática de crimes relacionados a violência sexual e psicológica, como estupro e estímulo à automutilação e ao suicídio –, a questão da segurança de crianças e adolescente na internet voltou a ganhar destaque.

Esse é um dos temas tratados pelo PL 2630/2020, também conhecido como Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, o PL das Fake News, Retirado de pauta no início de maio e ainda sem data para ser votado. O projeto é de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e relatado na Câmara pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB – SP), a proposta estabelece regras de transparência para as empresas responsáveis pelas redes sociais e por serviços de mensagens privadas.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino defendeu em audiência na Câmara em junho a importância de o Congresso Nacional aprovar uma lei que regulamente o funcionamento das plataformas digitais no Brasil. Para Dino, estabelecer os direitos e deveres dos internautas e das chamadas big techs (do inglês, grandes empresas de tecnologia) é de fundamental importância para o combate à violência nas escolas e ao crescimento do extremismo no país.“Só teremos escolas seguras com a regulação da internet”, disse.

Para Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, o modelo de negócios das grandes redes sociais, cuja lógica voltada à chamada “economia da atenção” digitais privilegia conteúdos sensacionalistas e que despertem intensas reações na busca por atenção e likes.

“Os sistemas de recomendação algorítmica que, privilegiando o engajamento, fornecem aos usuários conteúdos extremos e os inserem nas chamadas ‘bolhas autorreferenciais’, contribuem para a disseminação de discurso violento entre e contra crianças e adolescentes. Esse discurso não nasce nas redes, mas se amplifica com muito mais ênfase nesses espaços na medida em que ele engaja em larga escala”, alerta. 

De acordo com a coordenadora, as crianças e adolescentes são absolutamente vulneráveis ao modelo de negócios das plataformas, por não terem condições de responder criticamente a essa injusta e assimétrica relação. Existe ainda um componente físico que interfere nesse cenário.

“As crianças e os adolescentes são pessoas em especial etapa de desenvolvimento físico, psíquico e emocional, o que reflete-se especialmente em seu sistema endócrino, límbico, na neuroplasticidade e na imaturidade do córtex pré-frontal. Isso é extremamente importante, pois traz reflexos para a parte do cérebro responsável pelas funções executivas, como a tomada de decisões, consequências das ações e controle inibitório, o que pode ou não impedir que o indivíduo se envolva em situação de perigo ou de iminente risco”, explica Maria.

Violência nas escolas

Para Maria Mello, no caso específico da violência nas escola é um fenômeno complexo que tem levado a violência para o espaço escolar e tem variadas causas – e, portanto, demanda variadas soluções. “A pandemia colocou outra camada de complexidade nesse cenário quanto ao adoecimento de adolescentes, que por um lado encontraram no ambiente online um espaço de socialização maior, mas por outro, ao se conectarem, correm uma série de riscos que têm a ver com o modelo de negócios que guia a atuação das big techs”, avalia. 

Vale lembrar que o discurso de ódio, a desinformação e a intolerância sempre existiram e afetaram também crianças, mas hoje eles são ainda mais facilmente acessados no ambiente digital, amplamente utilizado por crianças e adolescentes e eivado desse tipo de conteúdo, que cresce na medida em que idéias extremistas também vão ganhando força. Conteúdo extremista tende a gerar mais engajamento e, portanto, mais lucro às empresas de tecnologia.

Redes não foram feitas para crianças

É importante lembrar que, em tese, as redes sociais já são proibidas para crianças, já que a maior parte das plataformas digitais possuem Políticas de Privacidade e Termos de Uso que vedam a criação de contas por pessoas com menos de 13 anos. Mas, na prática, as crianças estão em peso nesses ambientes, e as plataformas acabam se eximindo de qualquer responsabilidade quanto à proteção desse público. 

“As crianças e adolescentes devem ter direito a usufruir de entretenimento, conexão interpessoal e experienciar o ambiente digital como um todo. Contudo, para que possam usufruir desses espaços com segurança, é essencial que se reconsidere os modelos de negócio e as políticas de design e segurança existentes atualmente nas redes sociais”, sugere Maria Mello.

Ao navegarem no ambiente digital, as crianças e adolescentes estão constantemente sob riscos diversos. A OECD, organização europeia que se debruça sobre o desenvolvimento econômico, possui uma classificação que considera 4 tipos de riscos que crianças enfrentam no ambiente digital:

  • Riscos de contato: Relação interpessoal, portanto, entre usuários. É o risco que a criança possui de entrar em contato com usuários mal intencionados;
  • Riscos de conduta: Quando a própria atuação da criança pode gerar riscos, como a prática de cyberbullying;
  • Riscos de conteúdo: Refere-se ao contato com conteúdos inapropriados para a idade, como imagens pornográficas, discursos de ódio e incitação à violência, dentre outros;
  • Riscos de contrato: É a categoria de riscos mapeada mais recentemente e envolve as relações comerciais que também podem afetar crianças. Passam desde o mau uso dos dados pessoais desses usuários, pela criação de perfis para direcionamento de publicidade e até riscos financeiros, como a possibilidade de compra de itens com dinheiro real;

Para a coordenadora do projeto, muito embora a atenção quanto aos riscos tenha majoritariamente foco nas práticas de cyberbullying, contato com adultos e conteúdos inadequados, há outros riscos relacionados à própria dinâmica e modelo de negócio das plataformas digitais. 

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