Contexto

PL das Fake News – Parte 01: A responsabilidade das plataformas

Vocativo publica primeira parte de minissérie sobre o polêmico Projeto de Lei (PL) 2630, conhecido como PL das Fake News.

Após uma série de polêmicas e pressões, o Projeto de Lei (PL) 2630, conhecido como PL das Fake News foi retirado de pauta da Câmara dos Deputados pelo seu presidente, Arthur Lira (PP-AL) no último dia 02 de maio deste ano. Agora, não há prazo para que o projeto retorne para análise do plenário.

O texto já estava apto para ser analisado, quando o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB -RJ) pediu para que ele fosse retirado de pauta. A justificativa foi o impasse entre os congressistas sobre a definição sobre a quem caberá fiscalizar o cumprimento e as sanções impostas pela lei. Alguns defendem a criação de uma agência específica para essa função, enquanto outros defendem que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) exerça essa finalidade.

O PL 2630/20 institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, com normas e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais, ferramentas de busca e de mensagens instantâneas, bem como as diretrizes para seu uso e a monetização de criadores de conteúdo. Para ajudar a entender mais sobre o projeto e os seus impactos, o Vocativo produziu uma minissérie sobre o assunto, apresentando a primeira delas hoje.

Censura

Uma das grandes queixas contra o PL 2630 é que ele poderia ser usado para censurar deliberadamente conteúdos na internet. Obviamente o objetivo da lei é simplesmente evitar a disseminação de conteúdos falsos na rede.  Apesar disso, alguns problemas podem acontecer, porque nem sempre um conteúdo falso nas redes é 100% rotulável como “mentira” ou mesmo verdades podem ser manipuladas para gerar um entendimento errado.

Antes de tudo, é preciso conhecer o conceito de desinformação e evitar o uso da expressão fake news. Isso porque, se um conteúdo é falso (fake), por definição não pode ser notícia.  Já o termo desinformação é comumente usado para se referir a tentativas deliberadas e até organizadas para confundir ou manipular pessoas por meio de transmissão de informações desonestas.

De acordo com Magaly Prado, professora da pós-graduação Transformação Digital e que integra o time de pesquisadores do Center for Artificial Intelligence (C4AI), da Universidade de São Paulo (USP) há uma linha muito tênue entre verdade e o que não é. E quem for fazer a fiscalização precisa estar atento a isso. “A equipe que for fazer essa varredura nas redes, seja de fora ou dentro delas, precisa ter esse discernimento para considerar o que é falso, o que é verdadeiro, o que é falso mas usa material verdadeiro, o que é fora do contexto, etc.”, explica a pesquisadora.

Por que responsabilizar as plataformas?

As principais plataformas digitais da internet, a Meta (Facebook + Instagram), Twitter, Telegram, Whatsapp e TikTok defendem que não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo que terceiros – no caso, os internautas – postam. No entanto, de acordo com Magaly Prado, a responsabilização não é sobre o conteúdo, mas sobre a visibilidade dele.

“O problema é o algoritmo dessas plataformas, que dá preferência a assuntos polêmicos. E, na maioria das vezes, os conteúdos falsos dão mais engajamento do que a verdade”, analisa a professora. Nesse cenário, é muito comum o uso dos chamados bots de internet. Bot (diminutivo de robot, robô em inglês) são softwares concebidos para simular ações humanas repetidas vezes de maneira padrão, da mesma forma como faria um robô.

Influência na democracia

Com essa dinâmica de privilegiar o engajamento automático ao invés da veracidade do conteúdo, as plataformas viram terreno fértil para a desinformação sobre saúde pública (como visto na pandemia da Covid-19), meio ambiente e, é claro, na política. É justamente aí que surgem os ataques contra os processos eleitorais e a democracia de diversos países.

Só nas eleições de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou 329 esclarecimentos e 193 textos com checagem de falsas publicações através da página Fato ou Boato, criada pela corte.

Segundo relatório divulgado pelo grupo de pesquisas NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a média diária de mensagens falsas cresceu de 202,5 mil no primeiro turno para 311,5 mil no segundo turno. O crescimento foi registrado principalmente no Twitter (57%), no Whatsapp (36%) e no Telegram (23%). Entre os temas mais encontrados estavam conteúdos falsos relacionados às eleições, descredibilidade da imprensa e religião.

“As pessoas que estão em dúvida, seja por estarem desgostosos da política ou por desejarem renovação são aquelas que os algoritmos vão detectar e direcionar um material que lhes interessa. Por exemplo: você está trabalhando para um certo candidato. Aí você vai para esse grupo de pessoas indecisas direcionar assuntos que vão falar mal do candidato oposto e falar bem do seu. Esse grupo então vai ser bombardeado por mentiras, seja a favor do seu candidato ou contra o outro”, explica Magaly Prado.

A pesquisadora afirma ainda que o pós eleição também sofre influência dessa tempestade de desinformação, lembrando dos acontecimentos como a Invasão do Capitólio dos Estados Unidos, em janeiro de 2021 e a invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília, em 08 de janeiro deste ano. “Muito disso foi disseminado por mensagens falsas através da plataforma, convocando outros que pensam igual e também não aceitam o resultado da eleição”, lembrou Prado.

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