Opinião

CPI da Pandemia claramente “tirou o pé”

No futebol, o termo “tirar o pé” é usado quando um jogador, por medo ou desinteresse, não divide ou se esconde na marcação pra não receber a bola. Diante de uma série de acontecimentos, podemos transportar esse termo para a política e dizer que a CPI da Pandemia no Senado “tirou o pé” das divididas. E causa disso parece ter nome e sobrenome: Ciro Nogueira.

Antes de mais nada, devo admitir que estava errado quando disse que ela seria uma CPI Placebo. Os trabalhos da comissão superaram todas as expectativas ao expor as graves denúncias contra o governo Bolsonaro, desde corrupção na compra da vacina Covaxin até a adoção criminosa da estratégia de imunidade de rebanho por contágio. Exatamente por ter tantos elementos para ir adiante, os recentes movimentos da comissão são, no mínimo, estranhos.

Cadê as quebras de sigilo?

O relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros (MDB-AL), já afirmou que os trabalhos do grupo devem ser encerrados e o relatório final deve ser votado até a primeira quinzena de outubro. Enquanto isso, o grupo perde tempo em depoimentos infrutíferos de peixes pequenos, que protegidos por habeas corpus, se limitam a mentir ou enrolar os senadores.

Pra se ter uma ideia, nesta terça-feira (24/08/21), a CPI literalmente perdeu tempo com o empresário Emanuel Catori, sócio da empresa Belcher, que participou de uma reunião no Ministério da Saúde agendada por Barros. Catori confirmou que, no dia do encontro, 15 de abril, a Belcher já havia assinado um termo de confidencialidade com a farmacêutica chinesa CanSino para a venda da vacina Convidecia no Brasil. Mas ele negou que tenha negociado a venda desse imunizante com o ministro Marcelo Queiroga. Ou seja, um beco sem saída.

Nesta quarta-feira (25/08/21) na CPI da Pandemia, foi a vez de Roberto Pereira Ramos Júnior, diretor-presidente da FIB BanK — empresa apresentada como garantidora de crédito da Precisa Medicamentos na malograda compra da vacina indiana Covaxin. O depoente disse que a FIB BanK, apesar do nome, não é um banco, e apesar de ser uma pequena empresa, tem capital social de R$ 7,5 bilhões, na forma de terrenos em São Paulo e no Paraná. Ou seja, claramente um laranja.

Por outro lado, restando menos de um mês para a conclusão, ainda não há qualquer informação sobre as quebras de sigilo, por exemplo, do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), pivô do escândalo da Covaxin, que humilhou a comissão em depoimento há duas semanas, ao dar um depoimento cheio de contradições e ataques, acusando a própria CPI de atrasar a compra de vacinas no Brasil. Ou seja, sua oitiva como convidado foi um dia jogado fora.

Também não se falou mais no depoimento do atual ministro da Defesa, general Braga Netto. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) reapresentou um requerimento para a convocação do ministro. A participação do militar na condução da pandemia foi fundamental, por ter convocado um encontro em que se discutiu a edição de um decreto presidencial para mudar a bula da cloroquina e incluir a prescrição para a Covid-19. E não parece que isso vá acontecer.

Ciro Nogueira

Coincidência ou não, o arrefecimento do ímpeto investigativo da CPI começou na volta do recesso parlamentar, que bate justamente com o momento em que o senador Ciro Nogueira (PP-PI) assumiu o comando da Casa Civil do governo Bolsonaro.

A chegada de Nogueira, que era suplente da comissão, foi vista como a entrega completa do governo ao bloco de partidos denominado Centrão, o que muda o jogo de interesses no Congresso, com a perspectiva do aumento de verbas e cargos para bases eleitorais no Estado. Isso parece ter mudado a disposição dos senadores considerados “independentes”, incluindo o próprio presidente Omar Aziz (PSD-AM). De uma hora pra outra, a pauta esfriou.

Provavelmente, continuaremos vendo nas próximas semanas um trabalho meramente burocrático, que vai formular um relatório com informações até importantes e capazes de gerar o indiciamento do presidente da República, ministros, políticos e empresários, mas que ficará aquém do que poderia. E o destino final, é claro, será o sepultamento na gaveta do Procurador Geral Augusto Aras, praticamente aclamado e reconduzido ao cargo por muitos dos senadores da própria CPI.

Ao que tudo indica, a massa da pizza já está sendo amassada. O recheio será o sangue dos mais de 570 mil brasileiros mortos pela Covid-19 pela omissão do governo federal e seus aliados. Pensando bem, a minha avaliação inicial de que a CPI seria apenas um placebo não é tão equivocada assim.


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