Opinião

Opinião: Os ataques coordenados contra Marina Silva e o MMA

A classe política da Amazônia, especialmente no Amazonas, sempre foi contra a agenda ambiental. O argumento usado é o sempre desonesto “explorar as riquezas da floresta para conseguir desenvolvimento”. Há casos emblemáticos, como o do ex-governador Amazonino Mendes, por exemplo, que chegou a distribuir motosserras para que os ribeirinhos pudessem desmatar. Isso é histórico.

O fato é que essa visão arcaica, capaz de achar possível conciliar a reforma da BR-319 e ao mesmo tempo preservar o meio ambiente, que predomina nos políticos locais, sempre foi historicamente influenciada pelo lobby da grilagem, mineração e agropecuária predatória.

Fotos: Marina Silva (Paulo Pinto/Agência Brasill), Amom Mandel (Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados), Wilker Barrreto (Davide Silva) e Omar Aziz (Jefferson Rudy/Agência Senado)

E esse lobby reage com virulência quando contrariado. O alvo preferencial sempre foi a ministra Marina Silva, que nas duas vezes em que esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente, se manteve firme nos seus argumentos. E foi duramente atacada tanto por opositores como propensos “aliados”. Nos últimos dias, políticos do estado começaram uma campanha em múltiplas frentes para atacá-la.

A antipatia sempre foi flagrante desde que ela assumiu o posto, em janeiro deste ano. Marina sempre atraiu a fúria de bancadas poderosas no Congresso ao colocar critérios técnicos contra projetos como a Potássio do Brasil em Autazes e a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Em todas as ocasiões, choveram discursos inflamados e declarações ásperas na imprensa de parlamentares com as mesmas queixas.

Aproveitando a votação do Marco Temporal no Senado e no Supremo Tribunal Federal (STF) e agora a fumaça que encobre Manaus, porém, a ofensiva se intensificou. E é importante lembrar que os ataques não partiram apenas de bolsonaristas, até porque estes são inimigos de qualquer coisa que não defenda os seus interesses. Mas são aqueles que se declaram “isentos”.

O deputado estadual Wilker Barreto (Cidadania) propôs nesta quinta-feira (28/09/2023), que a Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) faça uma moção de repúdio contra a ministra devido seu posicionamento acerca da BR-319. A sugestão do parlamentar recebeu apoio da maioria dos deputados da Casa. O argumento: “intransigência” de Marina em relação à pavimentação da BR-319.

O senador Omar Aziz (PSD-AM), por sua vez, afirmou em pronunciamento no plenário que, se alguém passar fome no Amazonas, a culpa será da ministra, que em suas palavras “não permite o asfaltamento” da rodovia que liga o Amazonas a Porto Velho e ao restante do País.

O deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM), que em maio deste ano também trocou farpas com a ministra por conta da obra, afirmou em seu perfil na plataforma X (ou Twitter, se preferir) ao longo desta quinta que o Ministério do Meio Ambiente “não teria condições de ajudar o nosso Estado a curto prazo” com relação às queimadas que estão cobrindo Manaus de fumaça. Amom também já foi duramente criticado por seu artigo no portal Poder 360 ao atacar a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.

O argumento de que a BR-319 não sai por conta da vontade da ministra é cínico e desonesto. Qualquer pessoa com conhecimento mínimo de administração pública sabe que esse tipo de decisão não ocorre unilateralmente, mas de análises e estudos de técnicos de diversos órgãos. Todos precisam respeitar leis ambientais estabelecidas pelo próprio Congresso. Além disso, a obra, que já foi alvo de diversas publicações do Vocativo, tem baixo potencial financeiro e alto destrutivo. Há uma farta literatura científica comprovando isso.

A acusação de negligência no caso da fumaça em Manaus também é questionável. Afinal, os números das queimadas na Amazônia, apesar de preocupantes, caíram em relação a 2022, fora a presença do fenômeno El Niño. E o mais interessante: nenhum dos parlamentares citados aqui cobrou publicamente, com a mesma veemência, a gestão do governo do Amazonas, mais especificamente o governador Wilson Lima, que tem responsabilidade direta pelo Corpo de Bombeiros e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM).

É preciso que a sociedade cobre desses parlamentares uma posição mais coerente diante dos fatos e quais são seus reais interesses. Se é o bem público, as ações e possíveis omissões do governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil) também precisam ser questionadas. Pública e nominalmente. Bem como dos prefeitos de cada município onde há focos ativos de queimadas.

É óbvio que o governo federal precisa ser cobrado, mas não apenas ele. E não apenas um único ministério. Por que não há cobrança sobre o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional? Ou o da Infraestrutura? Por que há cobrança apenas onde coincidentemente há uma figura que se opõe ao lobby da destruição ambiental?

Por mais desprovidos de inteligência que nossos parlamentares possam vir a ser, todos sabem desses trâmites. O desenho mais claro que esse comportamento aponta é que objetivo não é necessariamente a BR-319 ou a fumaça, mas a saída de um dos poucos nomes técnicos do governo Lula que usa a lei e a ciência pra tomar decisões, não as conveniências político-partidárias.

É muito seguro afirmar que, a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente seria desastrosa tanto para a política ambiental quanto a externa do Brasil. Deixar a pasta nas mãos do Centrão, por exemplo, é abrir novamente a porteira dos crimes ambientais no país, o que vai acelerar o processo de extremos climáticos na nossa região. Além de coibir investimentos internacionais em economia sustentável. Isso precisa ser impedido a todo custo.


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