Opinião

Opinião: Cobrar artistas de Hollywood é hipocrisia e jogo de cena

Desde que a crise climática se agravou no Amazonas, surgiu um discurso recorrente na internet de cobrança sobre um suposto “silêncio da classe artística” sobre a questão ambiental na Amazônia. Os alvos geralmente são figuras nacionais e internacionais famosas, como o ator norte-americano Leonardo DiCaprio, a modelo brasileira Gisele Bündchen e a ativista sueca Greta Thunberg.

Muito mais comum entre a direita e a extrema direita, essa “teoria” afirma, em linhas gerais, que a classe artística, teria sido extremamente crítica com a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), estaria se mantendo em silêncio agora no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) quando a situação na Amazônia piorou. O motivo seria uma suposta inclinação mais à esquerda dessas figuras.

A Hollywood o que é de Hollywood

É óbvio que há pesadas doses de marketing e oportunismo em muitos discursos de figuras famosas do país e do mundo que posam de defensoras da Amazônia mas não sabem diferenciar um pirarucu de um tambaqui. Vamos deixar isso claro.

Muitos criticam administrações ecocidas dos Ricardos Salles da vida são indulgentes com acordos internacionais dos EUA e da União Europeia com países exportadores de petróleo. No fim das contas, usar combustíveis fósseis e desmatar a Amazônia joga o mesmo tipo de carbono na Atmosfera e nos faz o mesmo mal.

A imprensa nacional

Também tem razão quem critica e cobra o desprezo dos grandes canais de TV e veículos de imprensa do país com as pessoas que moram na Amazônia. Isso também é fato. E histórico, diga-se de passagem. Observamos ao longo de décadas o descaso da mídia com nossas principais crises, isso quando não cometem erros grosseiros sobre a região.

Mas especificamente neste caso, há um desconto: a nossa crise climática coincide com um dos conflitos mais importantes da geopolítica internacional, que acontece neste momento no Oriente Médio, entre Israel e Hamas e pode redefinir as bases do direito internacional. De resto, há profissionais aqui extremamente capazes para fazer o trabalho e dar a devida repercussão para o caso.

Greta Thunberg não comanda o IPAAM

O mais importante, no entanto, é que o foco das cobranças não deve ser o Leonardo DiCaprio, a Gisele Bündchen, a Greta Thunberg, o Whinderson Nunes, o Felipe Neto ou o William Boner. Essas pessoas não são pagas com dinheiro público do contribuinte amazonense para agir. Elas não são o poder legalmente constituído para tomar decisões.

A Greta Thunberg não comanda o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), que parece atuar mais em favor da exploração predatória da floresta do que em evitá-la. Leonardo DiCaprio não promoveu concurso para bombeiros do estado e não os convocou. Felipe Neto não ficou quatro anos desmontando bases do IBAMA no Amazonas.

Afirmar que o problema começou agora ou é desconhecimento do assunto ou desonestidade intelectual. Não há uma terceira opção. Há décadas o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas alerta sobre o avanço das mudanças climáticas no planeta e na Amazônia.

Há anos, Organizações Não Governamentais e pesquisadores do país alertam que nossa região já está mudando. E não faltam colegas na imprensa, como o Vocativo, a Amazônia Real, a Cenarium e tantos outros alertando que sobre a estiagem e a fumaça. Conteúdo para estudo não falta. Mas pode faltar interesse.

Dica importante: antes de jogar no Google palavras como artistas e Amazônia, seria bom jogar nos próprios portais os nomes dos gestores locais e suas ações. Pode ser bem elucidativo.

As figuras que precisam ser cobradas urgentemente são, pela ordem: o governador Wilson Lima e seus secretários, que levaram os índices de destruição ambiental no Amazonas a níveis nunca vistos, os prefeitos do Amazonas e seus secretários, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles, que levaram os índices de destruição ambiental no Brasil a níveis nunca vistos. E por último, mas não menos importante, sim, o atual presidente Lula e a ministra Marina Silva, dentro da proporção e competência que lhes cabem.

A classe artística não está em silêncio

Algo muito importante precisa ser dito: a classe artística não está em silêncio. Dizer isso é ter uma visão distorcida e deprimente, que desconhece o próprio conceito de arte e só enxerga valor em manifestações culturais estrangeiras. Nesse caso, vale listar algumas iniciativas pelo Amazonas e na Amazônia em geral que estão acontecendo e merecem mais repercussão.

Nesta quarta-feira (11/10/2023), por exemplo, foi realizado no centro de Manaus, a ação Artistas pelo Clima. Na ocasião, mais de 30 artistas participaram, além de vários coletivos e movimentos de um evento que arrecadou doações e recursos para as comunidades ribeirinhas Inhãa-bé, São Sebastião do Tarumanzinho e Santa Isabel do Rio Negro.

Outro exemplo bem interessante é a iniciativa de vários ilustradores da região, que criaram uma série de artes falando sobre as fumaças e as queimadas em Manaus e que foram publicadas na Norte em Quadrinhos. O link dos trabalhos você confere aqui:

Não é porque algumas figuras dentro do um determinado estereótipo, que simbolizam uma teoria conspiratória podem estar em silêncio, que a classe artística, na sua concepção real, está em silêncio. É hora de debater sem hipocrisia e jogo de cena, com seriedade e conhecimento de causa. Quem não vai contribuir dessa forma sim, deveria ficar em silêncio.


Descubra mais sobre

Assine para receber os posts mais recentes enviados para o seu e-mail.

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Descubra mais sobre

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue lendo