A entrevista de Bolsonaro para a revista Veja neste final de semana entrará para a galeria de contribuições da imprensa brasileira para a situação de erosão democrática que o Brasil vive. Tal qual a “escolha muito difícil” do Estadão em 2018 e a expectativa de moderação, do Globo esta semana. E ela insiste, como se fosse alheia a esse processo. Não é.
Vamos imaginar por um minuto que Bolsonaro de fato tenha mudado e todas as suas palavras na entrevista da Veja divulgada nesta sexta-feira (24/09/21) sejam sinceras e verdadeiras. Não importa. Seus crimes, da responsabilidade pela morte de mais de 600 mil brasileiros pela Covid-19, as incontáveis ataques contra a democracia e as instituições, até as gravíssimas acusações de corrupção, como no caso do Orçamento Secreto e da compra da Covaxin estão postas. Como presidente da República e cidadão, ele terá de responder por elas.
Sobre a sua garantia de que não dará golpe, só sendo muito ingênuo para acreditar e irresponsável para publicar. E nesse ponto é preciso lembrar uma coisa muito importante: Bolsonaro está há mais de 30 anos na vida pública dizendo as mesmas coisas. Isso mostra duas coisas: 1) Ele possui uma base de apoiadores incrivelmente resiliente; 2) Ele sabe se adaptar (inclusive a novas tecnologias) para sobreviver na política. Isso reforça uma tese: Bolsonaro não apenas não recuou, como mudou de tática.
A essa altura, ele já percebeu outras três coisas: 1) Reeleição é algo muito difícil, com cenário econômico que está posto; 2) Se não tiver foro privilegiado em 2023, irá (talvez até com os filhos) para a cadeia, ou seja, PRECISA continuar tendo poder; 3) Via tanques em Brasília, o golpe não irá acontecer. Resta tentar ir por dentro das instituições.
A primeira tentativa será reverter a crescente impopularidade. O cessar-fogo proposto com o Supremo Tribunal Federal (STF) tem uma razão simples: equacionar o problema dos precatórios e criar um benefício que garanta votos em 2022. O que parece ser improvável dada a falta de capacidade de articulação. E mesmo que ele seja aprovado, com inflação galopante, não deve ser suficiente para melhorar a qualidade de vida da população mais pobre.
Há, é claro, o plano B, ou seja, a força. Nunca é demais lembrar, por exemplo, o projeto de lei sobre ações contraterroristas (PL 1595/19), que inclusive foi aprovado em comissão especial na Câmara dos Deputados há uma semana. Se aprovado, ele coloca mais de 56 mil policiais sob as ordens diretas do presidente da República, desprezando sistemas de segurança pública já constituídos.
Mas nada disso parece importar para os grandes barões da imprensa brasileira. Claro que o interesse é outro. A eles interessa as reformas ultraliberais que o seu governo patrocina, ao custo não apenas de muito dinheiro público, mas também de direitos fundamentais dos trabalhadores do país. Em nome disso, vale jogar pro lado a vergonha e socar nas suas páginas toneladas de jornalismo declaratório. A bem da verdade, não há escolha difícil na grande imprensa brasileira. Há apenas uma escolha que precisa ser disfarçada.