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O transporte fluvial como alternativa para o Amazonas

Enquanto autoridades políticas do Amazonas fazem propaganda pela BR-319, mesmo com enormes impactos para o meio ambiente. Enquanto isso, uma alternativa mais eficiente, barata e sustentável carece de maior atenção e investimentos: a navegação fluvial

Por Fred Santana e Fabíola Abess – O isolamento geográfico da Amazônia é motivo constante de reclamação por parte de governadores, prefeitos e empresários da região. A principal queixa é que tanto o transporte de passageiros, quanto o escoamento de produção são prejudicados com as distâncias, as poucas alternativas e as dificuldades logísticas, que acabam encarecendo o custo do deslocamento. A reivindicação mais comum nesses casos é a construção de rodovias, como a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho e ao restante do país.

O problema é que, além de não atenderem totalmente a demanda, os impactos ambientais desse tipo de obra tornam essa alternativa cara e complexa. Mas essa reportagem do Vocativo mostra que há uma solução muito mais acessível, ambientalmente equilibrada e bem mais abrangente: os rios. Embora sejam utilizados hoje para esse fim muito mais por necessidade e falta de opção do que praticidade, com o investimento adequado, a bacia fluvial amazônica pode ser uma alternativa muito melhor.

Cenário atual

Segundo estudo publicado em 2022 pela Universidade de São Paulo (USP), atualmente, os barcos tradicionais da Amazônia operam com fluxos relevantes, mas apesar de sua alta capacidade de carga e passageiros ainda não atendem à algumas normas e exigências técnicas importantes. As principais queixas são de lentidão das viagens e técnicas antigas para a prática da navegação. Nesse sentido, a rapidez e o aprimoramento tecnológico regional vêm sendo orientadas pela atuação das lanchas de transporte fluvial no Amazonas conhecidas como “expressos” ou Ajato.

O transporte fluvial de passageiros ainda precisa de melhorias no Amazonas. Foto: Antonio Pereira / Semcom

No caso específico do Amazonas, essa prática mais moderna e ágil já pode ser observada em uma das principais atividades culturais e econômicas do estado: o Festival Folclórico de Parintins, que acontece todos os anos no final de junho. Uma das viagens mais tradicionais é justamente entre Manaus e Parintins para a festa, que pode variar de 18 até 30 horas. Mas as lanchas Ajato fazem o mesmo percurso em média de 9 até 10 horas.

Desafios e oportunidades

Durante a conferência da Navalshore Amazônia, que aconteceu em maio em Manaus, os expositores foram unânimes em afirmar que as características geográficas dos rios são vistos como um enorme desafio, mas também oferecem muitas oportunidades.

Carlos Padovezi, diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), listou como principais desafios para o setor naval na Amazônia a sustentabilidade, transporte de passageiros, convivência entre grande número de embarcações no fluxo dos rios, além do transporte de cargas por comboio de barcaça.

“O transporte precisa ser feito respeitando o meio ambiente e as necessidades básicas dos indivíduos e das sociedades, com segurança e de maneira consistente. O grande problema são os custos operacionais, a acessibilidade e uso de recursos naturais. A gente precisa buscar o equilíbrio de forma sustentável”, afirma Padovezi.

Melhores do que estradas

A pavimentação e recuperação da BR-319 é uma verdadeira novela política. Entra governo, sai governo, há décadas a restauração da rodovia esbarra na falta de licenciamento ambiental e as denúncias de impactos na biodiversidade que a obra traria. Caso passe a investir no transporte pelos rios, isso não será problema para a navegação.

“Por questões geográficas, estradas não conseguirão atingir nem metade dos municípios do Amazonas e da região. Economicamente o preço dos fretes fluviais são infinitamente inferiores aos rodoviários, chegando em muitos casos a até 15 vezes a menos do que pelas estradas. Além disso, o tempo para um produto sair do fornecedor até o cliente final é muito menor e mais seguro. As nossas estradas são os nossos rios”, afirma Galdino Alencar Júnior, presidente do Sindicato das Empresas de Navegação do Amazonas (Sindarma).

“Para o nosso setor que é o transporte de carga fluvial, essa é a única opção possível. O Amazonas possui a maior bacia hidrográfica do mundo e uma cultura de navegação intrínseca à realidade amazonense, além disso, muitos municípios do interior só são acessados por meio dos rios. O transporte aéreo é muito caro para nossa região e não atende à demanda da capital e tão pouco do interior. Então sim, posso afirmar que o transporte fluvial é mais vantajoso para a Amazônia, inclusive por conta de nossa geografia e localização”, afirma empresário do setor de Mercado de Navegação, Logística e Terminais, Marcello Di Gregorio.

Por questões geográficas, estradas não conseguirão atingir nem metade dos municípios do Amazonas e da região. Economicamente o preço dos fretes fluviais são infinitamente inferiores aos rodoviários, chegando em muitos casos a até 15 vezes a menos do que pelas estradas. As nossas estradas são os nossos rios

Galdino Alencar Júnior, presidente do Sindicato das Empresas de Navegação do Amazonas (Sindarma)

Sustentabilidade

Ambientalmente o transporte fluvial também é o mais sustentável, porque não precisa derrubar nenhuma árvore. As balsas em geral poluem menos e são mais seguras porque possuem casco duplo e risco quase nulo de qualquer vazamento. “Duas balsas com combustíveis em apenas um comboio, transportam o equivalente a 200 carretas na estrada. São 200 carretas a menos poluindo a floresta e 200 riscos a menos de vazamentos e acidentes ambientais”, afirma o presidente do Sindarma, Galdino Alencar.

“É possível, por exemplo, tirar quarenta caminhões da estrada e os colocar em uma única balsa. Com o esforço de gestão das empresas que trabalham com transporte fluvial, é possível que esse modal seja sustentável e ecologicamente viável”, opina Marcello Di Gregorio.

Logística

Do ponto de vista logístico, o monitoramento dessas viagens já é feito de maneira efeiciante. Hoje a Navegam, logtech que cria soluções de mobilidade fluvial sediada em Manaus, no Amazonas, realiza mais de 1.500 entregas todos os dias em todos os municípios do Amazonas e o mais interessante: de forma digital, ou seja, a empresa consegue acompanhar todo o processo de entrega dentro do estado do Amazonas e também no Estado do Pará. E esse mercado pode crescer exponencialmente.

“A gente vem fazendo isso em apenas quatro anos, já realizamos mais de 200 mil entregas, pela plataforma Navegam somente em 2022, só com passagem a gente transacionou 22 milhões de reais, isso não representa nem 8% do que é vendido aqui na região, quantas vezes um dono de empresa deixou de vender para o interior porque não sabe como funciona a Logística daqui ou o pessoal daqui não compra na internet porque demora 30 dias para entregar? A Navegam consegue entregar em Parintins em 24 horas”, lembra o diretor da startup, Geferson Oliveira.

O desafio para o empresário da Navegam é criar um padrão a partir dos dados de navegação disponíveis. “Eu espero que daqui pra frente a gente consiga ter uma visão melhor para o nosso interior do estado. A gente fala muito em Amazonas, mas o ribeirinho sofre demais, espero que a gente possa melhorar a vida dessa população, a Navegam é uma empresa ainda pequena, mas a gente tem uma visão muito grande do que a gente quer, transformar a logística aqui na região”, torce.

Investimento estatal

De acordo com especialistas e profissionais do setor, há uma série de ações que podem ser feitas para melhorar o fluxo interno de passageiros no estado. Alguns dos principais desafios são: melhor organização e padronização da legislação; trocar os barcos com casco de madeira por barcos com casco de ferro/metal; recuperação e implantação de estrutura portuária segura e em condições de ser usadas por passageiros e transporte de cargas durante todo o ano; fiscalização sobre barcos piratas de passageiros que navegam nos rios.

“O transporte de passageiros por via fluvial existe desde os primórdios da história regional. Já solicitamos aos Governo Federal a implantação de uma linha de crédito para esta finalidade”, explicou Galdino Alencar. Mas para implementar essas melhorias e avançar na capacitação tecnológica, entra em cena o investimento do Estado.

“Para isso dependemos do Governo Federal e das agências. Atualmente no Amazonas nós não possuímos hidrovias, mas sim rios navegáveis. Para que as hidrovias sejam uma realidade precisamos ter controles dos rios, sinalizações, dragagem e um departamento que gerencie e fiscalize essas hidrovias, tornando assim, o modal fluvial mais rápido e seguro”, lista Di Gregorio.

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