Atualizada no dia 01/03/2023 – 08h30
Na tentativa de conseguir votos e a reeleição, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) articulou a aprovação da a chamada PEC Kamikaze em junho de 2022. Com ela, dentre outras medidas, os preços de combustíveis baixaram, dando ao então candidato fôlego na tentativa de reeleição, que acabou não acontecendo. Os custos dessa PEC, por sua vez, ficaram para o seu sucessor, Luís Inácio Lula da Silva (PT). Pensando nisso, o Vocativo conversou com economistas para saber o que precisa ser feito para recuperar arrecadação sem afetar o bolso do contribuinte.
Anteriormente…
Pra quem não se lembra, Bolsonaro zerou as alíquotas do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para a gasolina, o etanol, o diesel, o biodiesel, o gás natural e o gás de cozinha. O objetivo era segurar a alta da inflação e recuperar uma parte da popularidade perdida nas eleições. Quase deu certo, mas no final, o então candidato acabou derrotado por menos de 1% dos votos.
Passada a eleição, veio o choque da realidade. No dia 1º de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou a Medida Provisória 1.157, que previa a reoneração da gasolina e do etanol a partir de 1º de março e a dos demais combustíveis em 1º de janeiro de 2024.
O que deve acontecer
De acordo com o Ministério da Fazenda, o formato do aumento das alíquotas ainda está sendo discutido. O objetivo é recompor a arrecadação em R$ 28,88 bilhões neste ano, conforme anunciado pelo ministro Fernando Haddad, em janeiro. A alíquota da gasolina subirá mais que a do etanol, atentendo ao princípio de onerar mais os combustíveis fósseis.
Antes da desoneração, o PIS/Cofins era cobrado da seguinte forma: R$ 0,792 por litro da gasolina A (sem mistura de etanol) e de R$ 0,242 por litro do etanol. Entre as possibilidades discutidas por Galípolo e a Petrobras, estão a absorção de parte do aumento das alíquotas pela Petrobras, porque a gasolina está acima da cotação internacional, e a redistribuição de parte das alíquotas originais da gasolina para o etanol. Caso ocorra essa redistribuição, a gasolina poderia pagar, por exemplo, R$ 0,70 de PIS/Cofins por litro; e o etanol, R$ 0,33.
O repasse efetivo do aumento das alíquotas aos consumidores dependerá das distribuidoras e dos postos de combustíveis. Só em janeiro, segundo cálculos da Receita Federal, o governo deixou de arrecadar R$ 3,75 bilhões com a prorrogação da alíquota zero.
Questionamentos
Apesar do anúncio não ser contestado em grandes veículos de mídia, o argumento da necessidade da cobrança para manter o equilíbrio fiscal é contestável. “A alegação de que o governo precisa retomar a cobrança de impostos para combater o desequilíbrio orçamentário é totalmente mentirosa. Como provou o deficit primário quase trilionario de 2020, o governo realiza todos os seus gastos criando moeda e, portanto, não precisa arrecadar impostos para conseguir fazer pagamentos”, explica Daniel Conceição, professor de Economia no IPPUR/UFRJ e presidente do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD).
O economista firma ainda que o aumento de impostos terá impacto direto na inflação. “O argumento dos defensores da austeridade se torna ainda mais absurdo quando lembramos que o suposto efeito deletério de gastos públicos deficitários seria a o seu impacto inflacionário. Pois neste caso é a (re)introdução de impostos em nome da responsabilidade fiscal que produzirá um baita choque inflacionário na economia”, afirma.
Combustíveis fósseis
A cobrança para desestimular o uso de combustíveis fósseis é válida, segundo Conceição, mas não neste momento e sem alternativas para a população. “Existe uma crítica válida a qualquer política de estímulo ao consumo de combustíveis fósseis, sabidamente muito destrutivos ambientalmente. Mas a solução para a nossa dependência destes combustíveis não deve vir do empobrecimento material da nossa população, mas do investimento e planejamento públicos”, alerta o economista.
Daniel afirma ainda que a cadeia de distribuição do país, da forma como é hoje, sofrerá impactos com o aumento. “A maior parte do nosso consumo de combustíveis é essencial para o transporte de cargas e de pessoas. Aumentar o custo dos combustíveis terá um impacto deletério muito maior na qualidade de vida das pessoas que deixarão de consumir outras coisas menos essenciais do que reduzirá o consumo dos combustíveis. Uma transição para um modelo energético mais ambientalmente sustentável exige investimento público”, avalia.
A polêmica do PPI
De acordo com os economistas ouvidos, a questão esbarra novamente na chamada a política de preços da Petrobras, também conhecida Política de Preços Internacionais (PPI), a qual já foi explicada aqui. A PPI consiste em reajustar os preços dos combustíveis de acordo com o valor do barril de petróleo que tem a sua variação no preço internacional, cotado em dólar.
Cassiano Trovão, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), falou sobre possíveis alternativas que podem ser adotadas diante desse cenário mantendo a PPI. “Existem distintas propostas, desde a constituição de um fundo de compensação para cobrir possíveis pressões de preços oriundas do mercado internacional, até a revisão da lógica de beneficiar apenas os acionistas da empresa por meio da distribuição do máximo lucro possível às custas dos consumidores”, enumera.
Já Daniel Conceição afirma que o momento é para rever a política de preços da estatal. “A própria razão de ser da Petrobrás é permitir que os benefícios gerados pela exploração do petróleo brasileiro sejam capturados pela população brasileira e não pelos acionistas da empresa”, protesta. Vale lembrar, no entanto, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse na noite de 2ª feira (27/02/2023) que a Petrobras não vai modificar o PPI.
“Num momento em que brasileiros estão sofrendo porque os preços dos combustíveis estão aumentando muito mais rapidamente que suas rendas, a oportunidade que o governo tem de enfrentar reduzir o preço dos combustíveis na ‘base da canetada’ não deveria ser desperdiçada, seja pela redução do preço praticado pela Petrobrás, seja pela redução estratégica de impostos. É pra isso que serve a intervenção reguladora do Estado”, lembra Daniel.
Atualização
Nesta terça-feira (28/02/2023), o ministro Fernando Haddad anunciou que a gasolina subirá até R$ 0,34 nas bombas; e o etanol, R$ 0,02 com a reoneração parcial dos combustíveis. Os valores consideram a redução de R$ 0,13 para o litro da gasolina e de R$ 0,08 para o litro do diesel anunciados mais cedo pela Petrobras.
Para manter a arrecadação de R$ 28,88 bilhões prevista até o fim do ano caso as alíquotas dos combustíveis voltassem ao nível do ano passado, o governo elevará o Imposto de Exportação sobre petróleo cru em 9,2% por quatro meses para obter até R$ 6,6 bilhões. Uma nova medida provisória será editada para que os novos preços entrem em vigor a partir desta quarta.
A nova medida provisória (MP) tem validade até o fim de junho. A partir de julho, informou Haddad, o futuro da desoneração dependerá do resultado da votação no Congresso. Caso os parlamentares não aprovem a MP, as alíquotas voltarão aos níveis do ano passado, com reoneração total.
Análise
Esse cenário já havia sido previsto pelo Vocativo em junho de 2022. Desde lá estava muito claro que a PEC Kamikaze tinha dois objetivos: manter Bolsonaro politicamente vivo até a eleição e, em caso de derrota, sabotar o governo Lula com uma bomba fiscal. E está acontecendo. Resta saber agora qual será a escolha do novo presidente: manter uma política de preços que enriquece acionistas ou cumprir a função social da Petrobrás e atender ao povo. Dica: acionistas não sustentam popularidade e não salvam presidentes de manobras de impeachment.