Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucionais as emendas de relator do Orçamento, as chamadas RP9, mais conhecidas como Orçamento Secreto. A corte finalizou nesta segunda-feira (19/12/2022) o julgamento de ações dos partidos Cidadania, PSB, PSOL e PV, que alegaram ilegalidade das emendas, que não estão previstas na Constituição.
Com o fim de um importante mecanismo de negociação (embora o mais correto talvez fosse chamar chantagem) do Congresso com o presidente da República, o cenário político nacional tende a sofrer mudanças significativas. Neste texto, você vai acompanhar os possíveis cenários.
O que ficou decidido
A presidente do STF e relatora das ações, ministra Rosa Weber, votou pela inconstitucionalidade das emendas RP9 e foi seguida pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Ela considerou que o modelo prejudica a distribuição de recursos, o direito dos parlamentares de participar do ajuste do Orçamento e a sociedade, por dificultar a obtenção de informações sobre a aplicação do dinheiro.

Já os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Nunes Marques votaram pela possibilidade da adoção das emendas, mas com a aplicação de formas proporcionais de distribuição e de fiscalização. E o ministro André Mendonça votou para manter as emendas de relator ao entender que a decisão política sobre o destino dos recursos orçamentários cabe ao Legislativo.
Após a suspensão do julgamento, o Congresso Nacional aprovou uma resolução que muda as regras dos recursos distribuídos pelas emendas de relator para tornar esses repasses mais transparentes à sociedade. Ao votar hoje, o ministro Ricardo Lewandowski disse que a medida apresentou avanços para, entretanto, para ele, as mudanças ainda não estão de acordo com os parâmetros constitucionais.
Já o ministro Gilmar Mendes, último a votar, julgou as ações parcialmente procedentes e avaliou que, apesar da necessidade de se garantir mais transparência, não é possível simplesmente declarar inconstitucional a possibilidade de emendas de relator previrem despesas, restringindo-a a ajustes.
Análise: O que muda agora?
Nos últimos anos, as emendas de relator se tornaram uma ferramenta poderosa de barganha nas mãos do poder legislativo brasileiro. O chamado Centrão (bloco de partidos sem ideologia política definida que atuam mais como políticos profissionais em busca de recursos) passou a dominar as decisões do país. Não é exagero dizer que o deputado federal Arthur Lira (PP-AL, foto), líder do Centrão, se tornou um dos homens mais poderosos da república durante o governo Bolsonaro.
Isolado e enfraquecido pela má gestão na pandemia e pela crise econômica, Bolsonaro precisou compor com Lira para evitar um processo de impeachment em 2020. E o principal elo entre os dois era justamente as emendas do Orçamento Secreto. Com elas, Lira e presidente do Partido Liberal (PL), Waldemar Costa Neto – que depois se tornou partido do próprio presidente – conseguiram financiar obras pelo país, que somadas ao fundo eleitoral conseguiram eleger uma bancada robusta nas eleições de 2022.
Mesmo com a derrota de Bolsonaro, o Centrão se preparava para pressionar o novo presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva (PT) na tentativa de conseguir ainda mais poder e influência. Mas, para isso, era fundamental manter a ferramenta de barganha, que era o Orçamento Secreto, que Lula prometeu acabar. Para evitar que isso acontecesse, Lira estava dificultando a negociação da PEC de Transição, o que travaria as ações do novo governo.
Agora, com a decisão partindo de outro lugar (no caso, o STF), Lira e o Centrão sofreram uma derrota significativa, que tira a pressão do novo governo, que não é mais obrigado a manter o Orçamento Secreto. Sem essa ferramenta, o jogo se inverte: agora é o Congresso que terá de ceder ao governo caso queira cargos e outros benefícios. As atenções agora se voltam para Arthur Lira.
De homem mais influente da república, Lira perdeu todos os superpoderes em 24 horas. Além da queda do Orçamento Secreto, por decisão do ministro Gilmar Mendes, os recursos destinados ao pagamento de programas sociais de combate à pobreza e à extrema pobreza, como o Bolsa Família, poderão ficar fora do limite do teto de gastos. A decisão, tomada na noite desse domingo (18/12/2022) atende a um pedido do partido Rede Sustentabilidade.
É certo que ele e os líderes do Centrão não deixarão barato. Se estivéssemos em época eleitoral, não seria nenhum absurdo imaginar que o bloco apoiasse as aspirações golpistas de Bolsonaro, nem que fosse para intimidar a suprema corte. Como essa situação não é mais possível, resta aguardar o que será feito. Tentar institucionalizar as emendas cai esbarra na própria decisão do STF. Isso sem falar que qualquer medida ainda tem de passar no Senado, que terá uma configuração diferente da atual.