Covid-19 Opinião

O despertar de um pesadelo

Hoje é o dia 06 de abril de 2020. Pretendo deixar esse primeiro parágrafo escrito para a posteridade. É possível que eu não esteja aqui para finalizar esse texto. Em todo caso, quero deixar registrado que o clima que sentimos hoje é uma estranha mistura de medo e tensão com tédio. É uma experiência a qual não imaginávamos estar passando. Não fazemos a menor ideia de como enfrentar uma pandemia nessas proporções.

Três anos e milhões de mortos depois…

Manaus, 05 de maio de 2023. Eu escrevi esse parágrafo naquela data, mas confesso que não consegui concluir o texto porque tive medo que isso de certa forma fosse um mau pressário. Temi que ficasse marcado como algo póstumo. E também porque queria que fosse um contraste do antes e depois.

Hoje a Organização Mundial da Saúde anunciou que a Covid-19 oficialmente não é mais uma emergência global. A pandemia encerra essa fase com 676.609.955 casos confirmados e 6.881.955 mortes até esta manhã em todo o planeta, 37.487.971 de infectados e 701.833 mortos entre os brasileiros, além de 636.349 casos e 14.474 mortes pela doença entre os amazonenses. Mas esse período vai muito além de números.

Lembro que o nosso maior medo era justamente pensar no futuro: “e se eu morrer? E se meus pais morrerem? Se meu cônjuge morrer?” Nunca vou esquecer o sentimento de pavor ao me descobrir infectado pela primeira vez. Nunca foi esquecer a sensação de ver ambulâncias em fila nas ruas. Nunca vou esquecer o gatilho de ansiedade que todos em Manaus passaram a ter com o barulho de sirenes.

Quantas noites de angústia não vivemos. Quantos momentos em que foi preciso desligar de tudo e se isolar para não enlouquecer. Como era terrível a sensação de impotência e solidão, pois mesmo ações de solidariedade não aplacavam o sentimento de abandono do poder público. Saímos com cicatrizes dessa pandemia que nunca vão desaparecer.

O pesadelo da pandemia acabou. Ou pelo menos do estado de emergência. Mas a nossa luta por justiça e vigilância eterna apenas começou. Vigilância eterna porque o SARS-COV-2 ainda continua por aqui e outros iguais a ele estão à espreita. Com as mudanças climáticas e agressões ao meio ambiente, é certo que a nossa geração enfrentará novas e potencialmente piores pandemias no futuro.

Justiça porque no caso dos brasileiros e, em especial dos amazonenses, o fim da emergência global não pode, sob nenhuma circunstância, significar festa e esquecimento. Aqui aconteceram crimes contra a humanidade, especialmente nas duas primeiras ondas da doença. Como esquecer o colapso do sistema funerário, em abril de 2020 e a atroz carnificina do colapso do oxigênio em janeiro de 2021?

Estes foram crimes cujos responsáveis são conhecidos e seguem livres de qualquer responsabilização. Isso é inaceitável, inconcebível. Seja pelo boicote contra vacinas, seja por ignorar os alertas da comunidade científica, seja por ignorar fornecedores de oxigênio, seja por fechar os olhos para a ação dos criminosos. Faltaria cadeia para abrigar todos os culpados. Mas que assim seja.

Com lágrimas nos olhos e sentimento de culpa no peito, digo em voz alta que o pesadelo acabou. Pensando bem, o título não é adequado, porque o horror que vivemos, cada um deles, é bem real e não vai desaparecer da nossa memória. Mas prometi a mim mesmo que deixaria esse início intacto, como uma forma de manter a esperança de que a pandemia acabaria.

Para todos nós fica a sensação agridoce do alívio por estarmos vivos e da tristeza pelas perdas. Aos que perderam parentes e entes queridos, resta a saudade e a revolta. Todos os que viveram no Brasil e no Amazonas entre 2020 e 2023 e sobreviveram podem se considerar privilegiados. Que a nossa sobrevivência tenha um objetivo: a justiça pelos que se foram.

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