As cenas dantescas de destruição e selvageria que tomaram conta de Brasília neste domingo (09/01/2023) eram mais do que previsíveis. Após quatro anos do presidente Jair Bolsonaro incentivando apoiadores a não reconhecer qualquer resultado das eleições de 2022 que não fosse sua vitória, os extremistas finalmente passaram das palavras às ações.
Embora nada de concreto tenha saído desse ataque, a democracia brasileira segue ameaçada. E nesse ritmo, em algum momento a pressão que ela sofre poderá ser maior do que é capaz de suportar. E se as autoridades brasileiras não agirem rapidamente e energicamente, esse dia chegará mais cedo do que se imagina.
Bolsonaro não lidera mais os extremistas
Eu havia alertado na matéria sobre minha última visita ao acampamento bolsonarista em Manaus que algo estava diferente. E analisando cuidadosamente as imagens do ataque em Brasília, a teoria se confirmou: Bolsonaro não é mais a liderança central da extrema direita brasileira. Tanto que, em momento algum, foram vistos cartazes pedindo sua volta ao poder.
Isso sugere que seu silêncio e postura conformada após a derrota para o presidente Luís Inácio Lula da Silva não caiu bem entre seus apoiadores. No entanto, a motivação que os levou a acampar na frente de quartéis continua firme. E em algum momento uma nova liderança surgirá. Nomes extremistas não faltam: Moro, Dallagnol, Damares, Mourão, etc. E a depender da sua capacidade de articulação, poderá ter um efeito muito mais deletério do que Bolsonaro.
Cenário político pode se deteriorar
Hoje, com o Congresso em recesso e o governo ainda nos primeiros passos, o sentimento ainda é de expectativa. E mesmo com sete dias, já houve a primeira tentativa de golpe de Estado. Ou seja, ainda não temos os primeiros indicadores econômicos do terceiro mandato de Lula. Por toda a desorganização das contas públicas causada pela tentativa de reeleição de Bolsonaro, é de se esperar um começo difícil, o que deve aumentar a pressão sobre o PT e seus aliados.
Isso sem contar possíveis operações da Polícia Federal contra aliados do governo. Ainda que sejam apenas operações pirotécnicas sem muito a ser investigado. Vamos imaginar que, em setembro, um aliado ou ministro do alto escalão sofra alguma ação da PF ou tenha algum escândalo contra si revelado na imprensa. Dá pra imaginar a ebulição que este país vai virar?
Forças Armadas e de segurança
Aqui temos o ponto mais sensível: não é segredo para ninguém que tanto as polícias estaduais quanto forças armadas são hostis a Lula e completamente alinhadas aos ideais da extrema direita. Neste momento, não há qualquer clima para um golpe de Estado porque a comunidade internacional apoia em peso Lula, especialmente os EUA.
Mas, no entanto, nunca é demais lembrar que em 2024 teremos eleições presidenciais norte-americanas, onde a volta do partido republicano ao poder, inclusive Donald Trump, é um cenário mais do que possível. O que acontece se esse cenário de ebulição começa justamente quando um ultraconservador assumir a Casa Branca?
Neste momento, as forças de segurança do país não encontrariam respaldo para uma aventura golpista. Mas o desejo – pelo menos de uma parte delas – é que isso ainda aconteça. Não se enganem: a maior parte das forças armadas hoje não veria problema algum na destituição de Lula e a instauração de um novo regime militar. Com o cenário e a liderança adequadas, isso poderia se concretizar.
O que precisa ser feito?
A solução para este impasse precisa sair imediatamente e da forma mais contundente possível. Não há margem para hesitação, sob pena de fortalecer ainda mais o movimento golpista. A cada tentativa, por mais que frustrada, os extremistas se tornam mais confiantes em avançar, serem mais ousados e, principalmente, violentos.
É fundamental aproveitar o cenário internacional favorável e jogar luz sobre os movimentos golpistas. Isso vale inclusive para os que ocupam cargos públicos e nas Forças Armadas, puxando o fio da meada pelos financiadores e articuladores deesse levante. A hora é de neutralizar esse ecossistema.
A democracia brasileira está sob forte ataque. Por enquanto, ela está intacta, ao contrário dos vidros das sedes dos poderes federais em Brasília. Mas a cada tentativa de arrombamento, ela vai ficando mais frágil e seus inimigos, mais fortes. A história mostra que alguns momentos são decisivos para evitar a ascenção de governos tiranos. A nossa é agora.