Os grandes veículos de imprensa do Brasil estão sendo bastante criticados nas redes sociais pela cobertura praticamente nula da visita do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva a países da Europa nesta semana. Isso remete a uma necessidade que a mídia e parte da sociedade brasileira terão de lidar nos próximos meses: parar de tratar Lula como se fosse um “bode na sala”.
Lula vem sendo recepcionado de forma calorosa no Velho Continente, tem feito reuniões com inúmeras lideranças políticas e, a partir desta quarta-feira (17/11/21) vai se encontrar com chefes de Estado. Após passar pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), na França, o ex-presidente terá reuniões com o presidente francês Emmanuel Macron e com Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha.
Não se trata apenas de um ex-presidente viajando pela Europa. Se trata do líder das pesquisas eleitorais para a campanha da presidência em 2022, podendo inclusive ser eleito no primeiro turno. Ou seja, se a tendência se mantiver, é o próximo chefe da nação preparando seu retorno.
Se essa agenda não é pauta, também não deveriam ser as falas insanas e negacionistas do atual presidente Bolsonaro, que tem como objetivo distrair a opinião pública e sempre ganham as manchetes dos principais veículos nacionais. Ou a disputa dentro do PSDB por quem vai encabeçar a chapa de um partido hoje com pouca ou quase nenhuma expressividade nacional e que ficou em quarto lugar em 2018. E o motivo dessa diferença de tratamento é o grande problema.
O tratamento desigual que Lula recebe da imprensa é histórica. O exemplo mais absurdo foi a edição do debate para presidente no Segundo Turno das eleições de 1989, quando a Rede Globo manipulou as falas do debate para prejudicá-lo, fato que foi destaque no documentário britânico Muito Além do Cidadão Kane.
Durante a Lava Jato, a espetacularização das operações policiais e o pouco questionamento dos métodos usados também gerou sérios debates sobre a parcialidade da mídia brasileira. Foi preciso um veículo fora desse eixo, o Intercept Brasil, a desmascarar a operação e mostrar que ela tinha motivações políticas, o que só ficou mais claro quando seus operadores entraram para a política. A grande imprensa, que sempre cobra autocrítica do PT, ainda não fez a sua.
Não concordo com quem afirma que Lula pode salvar a democracia ou mesmo a economia do país. Se precisamos de um salvador, estamos perdidos. Sempre que isso aconteceu, o país afundou. O ponto aqui não é sobre Lula. É sobre coerência. Há inúmeros fatos e argumentos sérios com os quais o petista pode e deve ser confrontado e cobrado. Tanto por aliados quanto por adversários. E a campanha é lugar para fazer isso. Mas tratá-lo como se não fosse um candidato legítimo, como se fosse um extremista ou como se não fosse um candidato, é atentar contra o jornalismo.
Se o próprio trabalho da imprensa mostrou que os investigadores de Lula agiram de maneira parcial, arbitrária e ilegal e isso mais tarde foi confirmado pela máxima instância judicial do país, o Supremo Tribunal Federal (STF). Ora, se a palavra de ordem é defender o estado democrático de direito, a imprensa livre e as instituições da República, ao negar a Lula o que é seu por direito, quem ataca tudo isso é exatamente a imprensa!
Criticar e não querer que Lula seja presidente é aceitável. Dentro das regras de uma democracia, cada um trabalha pelo seu ponto de vista e suas preferências políticas, mas isso precisa acontecer às claras e dentro das regras. Se querem atacar Lula, façam isso diante de todos, dando a ele a chance de se defender e concorrer com os outros nas mesmas condições.