Bastou uma decisão da justiça e uma entrevista coletiva para que diversos setores da sociedade, em especial parte da imprensa, começarem a narrativa para comparar Bolsonaro e Lula, como se ambos fossem duas faces da mesma moeda. Definitivamente não são.
Vamos deixar algo bem claro: não tem a ver com Lula. Não é que não dá pra comparar Lula com Bolsonaro. Não dá pra comparar Bolsonaro com quem quer que seja. Em geral, governantes autoritários perseguem minorias, grupos políticos adversários ou povos de outras nações. Expor seus próprios apoiadores ao sofrimento e à morte é um feito inédito. Acrescente a isso o requinte de crueldade por ser uma morte evitável, por uma doença evitável, que mata de maneira lenta, solitária e agoniante.
Basta apenas ter sanidade mental e um resquício de honestidade intelectual pra saber a diferença entre um ex-presidente, contra os quais se pode ter inúmeras críticas e um indivíduo que se nega a comprar vacinas, que sabota medidas de prevenção, que incentiva pessoas a invadirem hospitais e ameaça golpe de estado enquanto seu povo morre asfixiado.
E se esse paralelismo absurdo parte de jornalistas, nunca mais leia nada do que ele escreve. Se um jornalista relativiza qualquer situação antagônica diante de si, não importa quão descabida seja, ele não saberá reportar um fato quando estiver diante dele. Então, ele não serve para o trabalho.
Muitos jornalistas passam a falsa ideia de que credibilidade está em dar dois lados a qualquer assunto, não importa o quão absurdo seja um deles. É o famoso mito da imparcialidade. Esqueça, não existe isso no jornalismo. Tudo relacionado ao nosso trabalho, como na vida, é baseado em escolhas. E elas são necessariamente parciais. Se eu escolho uma notícia para dar em detrimento de outra, estou sendo parcial. Resta saber quais são os critérios que vão me guiar pra fazer isso.
Se eu estou falando de política, posso comparar Lula com FHC, Itamar com Collor, Bill Clinton com Dilma Rousseff, Angela Merkell com Joe Biden. Mas não posso comparar um homem que não atende os princípios mais básicos de civilidade com qualquer um deles. Não posso comparar gestores, bons ou ruins, mas que atuaram dentro das regras da democracia, com quem faz de tudo para destruí-la.