Uma chuva forte ocorrida na última quarta-feira (14/06/2023) causou destruição, perdas de alimentos e recursos e deixou feridos entre aproximadamente 500 membros da etnia Yanomami que estavam acampados no município de Barcelos, a 400 quilômetros de Manaus. O incidente, que foi registrado em vídeos, expõe a invisibilidade dos povos indígenas anos de descaso dos governos federal e estadual.
O caso foi exposto nesta segunda-feira (19/06/2023) durante coletiva de imprensa na sede do Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM). As etnias atingidas foram a Madiha Kulina no Rio Juruá, os Hupdah, Yuhupdeh e Nadëb no Rio Negro, os Pirahã na calha do Rio Madeira, e outros no alto Rio Solimões.
Dentre os indígenas atingidos pela tempestade, uma parte vive em Barcelos e outros se deslocam das aldeias para a área urbana para resolver problemas burocráticos, como acesso a documentações para uso de benefícios como o Bolsa Família. Sem assistência do poder público, todos vivem em barracos que ficam expostos a chuvas como as que aconteceram no dia 14.
“Em 2012, o governo federal iniciou estudos para adequar o Bolsa Família para os povos indígenas, mas apenas em 2016 houve um tímido avanço, mas o problema persiste até hoje. Com a pandemia da Covid-19, a situação piorou. Com o deslocamento em busca de documentação pra receber os recursos, muitos indígenas foram infectados e morreram” explicou o procurador federal Fernando Merloto Soave.
Invisibilidade
Muitos dos povos quando se deslocam opara as cidades enfrentam os mais diversos obstáculos, a começar pela distância de 7 dias de barco até a cidade mais próxima, além da linguagem, uma vez que nem todos os indígenas entendem o português. “A invisibilidade dos Yanomamis não é de hoje. A promotora afirmou ainda que nem o processo de demarcação das Terras Indígenas possibilitou melhora na qualidade de vida dos povos”, explicou Karla Cristina de Souza, promotora de justiça da comarca de Barcelos.
A promotora explicou ainda que há dois anos, a invisibilidade dos Yanomamis foi normalizada. Era muito comum, por exemplo, a população indígena em Barcelos não estaria recebendo nem ao menos documentações básicas, como declaração de vivo e certidões de nascimento para as crianças e de óbitos para os falecidos.
“A invisibilidade dos Yanomami em Barcelos é normalizada há anos. Essa população fica marginalizada porque não sabe pra onde ir quando chega às cidades. Elas não possuem uma certidão de nascimento, RG, CPF, coisas que todos nós temos desde que nascemos. Certa vez registramos uma família inteira tardiamente”, alertou.
Apolinário Karauetari, tesoureiro da associação Kurikama, denunciou descaso da prefeitura de Barcelos, São Gabriel da Cachoeira e Santa Izabel do Rio Negro estariam se negando a receber representantes dos Yanomamis quando eles precisam de apoio logístico. Segundo Apolinário, os indígenas ficam à espera de auxílio sem comida e abrigos precários, com idosos e crianças.
Outro fator que está piorando a situação dos indígenas na região é o garimpo. A atividade aumenta o fluxo migratório vindo da Venezuela, trazendo ainda mais pessoas para a região, aumentando a demanda por serviços essenciais. “Na natureza, temos a nossa alimentação. O problema é quando chegamos na cidade”, afirma Apolinário.
Ele lembrou ainda a dificuldade que a burocracia para conseguir documentos de aposentadoria é um outro obstáculo. Após a chamada prova de vida, muitos ainda precisam se deslocar até a sede regional da Receita Federal em Manaus para regularizar o Cadastro de Pessoa Física (CPF).
“Como vou deixar ou levar a minha família? Onde vamos ficar? Precisamos da ajuda da Funai e da prefeitura”, questionou. As lideranças reclamaram ainda que a merenda escolar atrasa constantemente, tanto por parte da Secretaria de Estado da Educação do Amazonas (Seduc-AM) quanto da Secretaria Municipal de Educação de Barcelos (Semed).
MPF acionou a justiça
O MPF acionou a Justiça Federal para que o governo federal tome ações emergenciais para atender as vítimas da tempestade, como adequação de acesso a documentos para assistência social para que eles possam receber benefícios do Estado.
O promotor defendeu ainda ações mais efetivas, como a construção de escolas indígenas e a produção pela própria comunidade de alimentos para essas escolas. “Brasília precisa olhar para os povos indígenas. Os órgãos precisam se alinhar e quem sofre é quem está aqui na ponta”, alertou Fernando Soares.