Amazônia

Marco Temporal pode permitir ocupação de 70% das terras indígenas no Amazonas

Em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), a tese jurídica conhecida como Marco Temporal pode permitir a exploração predatória de mais de 70% dos territórios indígenas do estado do Amazonas. O julgamento continua na próxima quarta-feira (15/09/21), com o voto do ministro Nunes Marques. Se você quer entender mais sobre o Marco Temporal, o último episódio do Provocativo fala sobre o tema.

De acordo com o último relatório sobre a violência contra os povos indígenas no Brasil do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), mais de 70% dos territórios indígenas no estado do Amazonas aguardam a conclusão do seu procedimento de demarcação. E quase 90% destas terras sequer iniciaram o procedimento e, portanto, são invisíveis nas estatísticas oficiais.

“Recentes normativas e políticas fundiárias do governo federal que facilitam a privatização de terras públicas na Amazônia vem se beneficiando da situação de invisibilidade destes territórios. A Instrução Normativa n. 09 da FUNAI, por exemplo, considerava as terras indígenas regularizadas somente no momento da verificação de Cadastros Ambientais Rurais, o que tornou invisível cerca de 70% dos territórios indígenas do estado”, alerta Chantelle Teixeira, assessora jurídica do CIMI. Recentemente a Justiça Federal do Amazonas suspendeu os efeitos da norma.

Atualmente, o estado do Amazonas soma cerca de 199 territórios indígenas sem qualquer providência adotada pelo estado brasileiro em relação ao procedimento de demarcação. E com isso, eles viram alvo fácil para a exploração predatória por grileiros e mineradores, por exemplo.

“A adoção da teoria do marco temporal afastaria o reconhecimento dos direitos territoriais de grande número desses pedidos permitindo com que estes territórios sejam ocupados por terceiros com interesse em explorá-los economicamente”, alerta Chantelle Teixeira.

Em 2019, uma análise realizada pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) mostrou que 44% do desmatamento ocorrido na Amazônia entre agosto de 2018 e julho de 2019 foi registrado em áreas não-designadas e sem informação. Os números baseiam-se no Prodes, sistema oficial de monitoramento do desmatamento na Amazônia, divulgado ontem pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e divididos por categoria fundiária pelo IPAM.

Problemas jurídicos

Pela tese do Marco Temporal, as populações indígenas só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. Se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data. O problema é que até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça para lutar por seus direitos.

“Ao condicionar uma data específica para o reconhecimento desses direitos, ele ignora a política indigenista brasileira norteada por princípios integracionistas até a Constituição Federal de 1988 que removeu povos de seus territórios para criar colônias agrícolas e/ou reconhecia suas terras em pequenas glebas, nas chamadas demarcações em ilha”, explica Chantelle.

A advogada lista ainda outros problemas dessa tese. “O marco temporal ignora as violências perpetuadas por governos desenvolvimentistas na região que trouxeram o desmatamento, a grilagem, o garimpo, a exploração de madeira e todos os demais projetos de exploração de recursos naturais ou obras de infraestrutura que impactaram territórios indígenas e reduziram povos ao quase extermínio como o caso do Povo Waimiri Atroari impactados pela abertura, construção e pavimentação da BR-174 (que liga Manaus a Boa Vista (RR)), pela obra da hidrelétrica de Balbina, e pela atuação de mineradoras e garimpeiros”, lembra.

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