Opinião

Mancadas da imprensa não fazem do “Choquei” jornalismo

Há alguns meses, um perfil perfil de entretenimento chamado Choquei vem ganhando milhões de seguidores e agora até contratos de publicidade resumindo tweets com comentários sarcásticos ou instigantes de conteúdos jornalísticos e curiosidades na rede agora de Elon Musk.

Criado pelo ex-vendedor de chips da TIM, Raphael de Souza, a popularidade do perfil vem levantando um debate sobre o papel da imprensa diante de novos comunicadores fora do mercado tradicional, como os youtubers como Casemiro e Felipe Neto.

A colega Cecília Oliveira fez uma belíssima análise no InterceptBR sobre como a grande mídia se esconde diante do tradicionalismo para atacar esse tipo de conteúdo enquanto mantém antigos vícios. Eu, no entanto, quero chamar atenção para o outro lado dessa moeda.

Para boa parte do público leigo, o que o Choquei faz é jornalismo. Pior: é o jornalismo que se contrapõe ao grande jornalismo convencional, este carregado de preconceitos e elitismo. De fato, não faltam exemplos de desonestidade intelectual, racismo estrutural, misoginia, homofobia e negacionismo científico nos textos da Folha, Estadão, G1, UOL e outros. Mas o problema aqui é outro.

Eu faço a seguinte analogia: você vai ao médico com um problema no joelho. Ele examina com má vontade, mal olha pra você, te passa um raio-X, analgésicos e te manda pra casa sem resolver. O que você faz? Busca um profissional sério, atualizado e comprometido ou vai até um conhecido da sua mãe que sabe fazer massagens para ele dar um jeito? É a mesma coisa.

Que há graves problemas no contexto no qual a imprensa brasileira está inserida em virtude das suas relações promíscuas com o poder não resta a menor dúvida. O problema é dar tanta audiência e principalmente conceito a um perfil sem qualquer compromisso com o jornalismo profissional. Se uma das coisas que mais criticamos é justamente a concentração de poder nas mãos de conglomerados de algumas famílias, o que dizer então de um perfil criado praticamente por diversão?

Esse caso mostra que a opinião pública não sabe o que é jornalismo. Não sabe diferenciá-lo de um comentário aleatório. Isso é muito sério. Quando as pessoas só consideram jornalismo aquilo que coincide com as suas expectativas, elas se tornam facilmente manipuláveis. E o mais curioso é que o Choquei não produz conteúdo, só comenta em cima do conteúdo alheio. O que acontece se, um dia, uma grande empresa, um partido político ou grupo de extremistas adquirir o perfil? É muito perigoso.

E tem outro problema: mercado. Há dezenas de iniciativas jornalísticas sérias (o Vocativo mesmo, o Intercept, o Amazônia Real, Joio e o Trigo, Azmina, Notícia Preta) que há anos lutam arduamente para ter o mesmo espaço e o mínimo de recursos para fazerem seu trabalho e não conseguem. E não dá pra dizer que nos falta competência, porque definitivamente não é o caso.

Que fique bem claro: por mais divertido e interessante que seja, esse tipo de perfil não faz jornalismo. Não foi o Choquei quem descobriu o Orçamento Secreto, os 51 imóveis comprados com dinheiro vivo pelos Bolsonaro ou outras notícias que mudaram o quadro político do país. Isso quem fez foram jornalistas profissionais. E é problemático que o cidadão comum não saiba identificar isso.

Claro que a culpa disso tudo não é do dono do Choquei. Ele (ou eles) não está compelindo ninguém a clicar, compartilhar ou dar engajamento ao perfil. A responsabilidade pela perda do crédito é dos donos das empresas jornalísticas e suas “escolhas difíceis”. Mas é preciso compreender o que está em jogo aqui. E pode parecer uma discussão boba, mas não é.

Quando esse tipo de “iniciativa” atrai recursos financeiros, cria um tipo de atividade que passa a ser tendência, retirando fontes de apoio em potencial de outras iniciativas. Só que é uma tendência que não pode ser seguida pelo jornalismo porque simplesmente entra em conflito com ele. Uma matéria precisa de apuração, estudo, pesquisa e edição apuradas. Um tweet lacrador não substitui isso.

Não há nada de errado em seguir e compartilhar o Choquei. Mas há muita coisa errada em achar que o Choquei faz jornalismo ou pode substituir jornalistas. Não pode. Por mais que a imprensa profissional desaponte a todos, negar o jornalismo não vai resolver o problema. Que tal gastar uma parte do tempo que você dedica a esse perfil com outras iniciativas que merecem sua atenção?

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