Em entrevista nesta segunda-feira (22/11/21) ao jornal El País, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) comparou o governo do do ditador Daniel Ortega na Nicarágua com a permanencia no poder da chanceler Angela Merkel na Alemanha. As declarações estão sendo alvo de críticas, especialmente por analistas de grandes veículos de imprensa do país. Mas até que ponto essas críticas são justas e/ou principalmente, isentas?
A César o que é de César
Pra começar, o óbvio: sim, a frase de Lula foi – extremamente – infeliz. Ninguém precisa ser formado em antropologia, ciência política ou ser correspondente na Nicarágua pra saber que um governo que prende seus opositores diretos antes de uma eleição, como aconteceu lá, é autoritário. Comparar com Merkel ou qualquer líder eleito em processo isento é desonestidade intelectual.
E é também uma questão de coerência que torna essa comparação problemática. Essa é exatamente a mesma crítica feita à classe política do Brasil com a prisão do próprio Lula pelo ex-juiz Sérgio Moro, que viria compor governo com Jair Bolsonaro, seu adversário direto nas eleições de 2018. Se a segunda situação é moralmente condenável, a primeira também é.
E dar uma declaração infeliz, se não isenta um candidato de críticas, também não serve para condená-lo. Usar o argumento de que “Lula elogiou um ditador, logo se assumir o poder também será um ditador” é sujo e cínico para alguém que presidiu o país por 8 anos e sempre respeitou as regras da democracia. Se candidatos da direita podem não apenas elogiar, como de fato tentarem um golpe de estado, então Lula pode seguir sua campanha.
Interesses
Os mesmos veículos que estão insistindo e intensificando as críticas contra Lula praticamente não dedicaram espaço ao longo de todos esses anos para a cobertura do regime de Daniel Ortega. Esse súbito interesse na democracia da Nicarágua tem cara, cor e cheiro de oportunismo político. E é também uma enorme incoerência.
Talvez porque são esses mesmos veículos que estão em campanha ostensiva e sem qualquer pudor em favor do ex-juiz Sérgio Moro para a campanha presidencial de 2022. Desde entrevistas em horário nobre até debates em canais de notícia sobre “qual seria a melhor estratégia” para o ex-magistrado.
Ora, se perseguir e prender opositores para ser favorecido em uma eleição é um ato ditatorial, então por que Sérgio Moro, que teve essa mesmíssima conduta em 2018, a qual foi reconhecida no Supremo Tribunal Federal (STF), o que valeu a recuperação dos direitos políticos por Lula, merece tratamento diferenciado?