Com o final do ano, vem o início da estação das chuvas no Amazonas, que traz constantes alagamentos na sua capital, Manaus. Além do risco dos transtornos para atividades rotineiras, as áreas mais pobres da cidade costumam sofrer mais, inclusive com a perda de moradias por parte da população. A pedido do Vocativo, um grupo de pesquisa do laboratório de modelagem climática do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) avaliou os motivos pelos quais a cidade passa por esse problema.
A região amazônica já convive com uma série de extremos climáticos já há alguns anos, como foi explicado inclusive neste episódio do Provocativo. Mas essa é apenas uma parte da explicação. E enquanto há muitos trabalhos que relacionam o aumento desses eventos com o aumento da frequência dos chamados fenômenos ENOS (La Niña e El Niño), pouco se investiga a influência dos efeitos locais das cidades. Mas ela existe e interage justamente com a natureza.
“Sabe-se que o processo de urbanização altera drasticamente os padrões de uso e cobertura do solo, o que força mudanças nas características da atmosfera. Em Manaus, a expansão urbana evoluiu mais rapidamente desde a década de 70 com a criação da Zona Franca de Manaus e a alteração da cobertura florestada para urbanizada acarretou mudanças na atmosfera”, explica a Maria Juliana Monte, engenheira civil integrante do Laboratório de Modelagem Climática do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) que colaborou para esta matéria com as doutorandas Carla Farias, Denisi Hall e Joice Machado, orientadas pelo Dr. Luiz Antônio Candido.
Segundo a explicação do grupo, a expansão urbana não ocorre apenas de forma horizontal (aumento da área), como também vertical (prédios e aglomerados urbanos), possuindo diferentes classes de urbanização. E essas diferentes formas de construção atuam em conjunto com fenômenos da natureza causando as enchentes e alagamentos que vemos todos os anos.
“Essa heterogeneidade também influencia na distribuição de chuva: estudos em Manaus evidenciam tendência de aumento na frequência dos extremos de precipitação. Outro estudo realizado para cidade verificou como os diferentes aglomerados urbanos interagem com um evento extremo de chuva e identificaram que uma superfície urbanizada favorece a permanência do sistema meteorológico precipitante sobre a cidade”, ensina Maria Monte.
Isso acaba sendo muito comum em conjuntos residenciais desde os mais luxuosos até os mais populares como o Prosamin. “Como efeitos negativos desse aumento tem-se o risco de inundação e deslizamento de terras, perdas materiais e humanas, colapso temporário do suprimento de energia elétrica, problemas nos sistemas de drenagem, dificuldade na trafegabilidade veicular e aérea, contaminação, poluição e erosão do corpo hídrico nas cidades”, alerta.
A maior parte da água da chuva, ao atingir a superfície urbana, em especial as áreas impermeáveis (como telhados, calçadas, pavimentos, paredes) fica presa nessas superfícies, sendo incapazes de se infiltrarem no solo. “Dependendo da estrutura de drenagem urbana e da intensidade do evento de chuva, o escoamento tende a atingir seu pico mais rapidamente, superlotando o sistema de drenagem urbana, causando os alagamentos nas ruas, situação bastante comum em Manaus”, avalia o grupo de pesquisadores.
E o que poderia solucionar esse problema, acaba piorando. Os igarapés poderiam ser o destino final dessa água, no processo conhecido como escoamento superficial, que é percurso natural da bacia. O grande problema é que justamente essas áreas também são alvo da urbanização desorganizada da cidade. “Além da poluição desses corpos hídricos por parte da população, a retirada da mata nativa dos seus entornos para dar lugar a residências favorece a chegada mais rápida da precipitação e o aumento do seu nível, provocando as inundações urbanas também”, afirma Maria Monte.
Ainda segundo a pesquisadora, a cobertura vegetal próxima aos corpos hídricos poderia atuar como um “amortecimento” da precipitação, já que o escoamento dessas áreas é menor e a infiltração no solo é maior, além da interceptação da chuva pelo dossel vegetal. Fica então a dica para a admistração pública da cidade: se querem que esse problema seja solucionado, é preciso aprender a conviver com a vegetação natural da cidade.