Crianças de comunidade no interior do Ceará com alto índice de uso de agrotóxicos apresentaram problemas de saúde
Estudo da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará aponta que o uso de agrotóxicos está causando má-formação congênita e puberdade precoce, em um povoado com 2500 habitantes na Chapada do Apodi, interior do Estado. Trata-se de região em que é constante o sobrevoo de aviões despejando defensivos e tratores pulverizando-os.
A localidade é produtora de frutos para exportação. No povoado, uma menina de menos de dois anos foi diagnosticada com puberdade precoce comprovada após avaliação clínica e exames complementares. “Temos preocupação enorme a respeito desses estudos porque a maioria destas substâncias é uma associação de agentes químicos e múltiplos agentes. Estabelecer causas e efeitos não é muito simples. É preciso uma pesquisa muito ampla”, explica o ginecologista Renato Augusto Moreira de Sá, presidente da Comissão Nacional Especializada de Medicina Fetal da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
Para ele, o problema das meninas pode ter relação com outros fatores, pois nos primeiros anos de vida pode haver um estímulo hormonal capaz de aumentar mamas, com regressão posterior, sem que isso tenha relação com qualquer problema de saúde: “A despeito da constatação de presença de agrotóxico na água e nos alimentos, isso não é suficiente. O alerta que se faz é sobre a presença de agrotóxico no sangue e na urina. Agora, daí a ter certeza que foi a causa do problema de saúde não é possível, com os dados disponíveis”.
O médico comenta ainda que “na dúvida, a grávida cujo feto está com os órgãos em formação deve evitar qualquer tipo de medicação porque esses produtos podem ter uma ação que hoje desconhecemos. A teoria de Barker diz que a maioria das doenças dos adultos começa dentro do útero”.
Renato Augusto acha imprudente assumir o risco de gestantes permanecerem em contato com esses produtos. “É um alerta porque essas pessoas estão com agentes no sangue no período em que os órgãos estão sendo formados e isso pode ter consequências, mas estabelecer causas e efeitos é muito difícil”.
Puberdade Precoce
Claudia Barbosa Salomão, integrante da Comissão Nacional Especializada de Ginecologia Infanto-Puberal, da FEBRASGO, esclarece que os agrotóxicos são classificados como disruptores endócrinos. “São substâncias encontradas no ambiente que não são produzidas pelo organismo humano, mas que podem ter influência importante, na maioria das vezes negativas, no funcionamento normal do corpo humano. Eles interrompem, comprometem a cadeia normal hormonal”.
Segundo ela, essas substâncias podem interferir tanto na produção, na secreção e na receptividade celular alterando a cadeia endócrina normal. “É essencial deixar claro que prejuízo ao organismo pode acontecer em ambos os sexos. E dar ênfase ao fato de que as crianças são o grupo de pessoas mais afetadas por esse tipo de produto, pois respiram com velocidade maior e, quando inalado com frequência aumentada, eles influenciam fortemente o sistema endócrino. Aliás, o metabolismo da criança é particularmente acelerado e com isso terá absorção maior destes produtos”, adverte.
Impactos clínicos no corpo humano
Claudia Barbosa confirma que os agrotóxicos podem causar puberdade precoce. “Existe possibilidade que estes, usados em demasia na região, sejam a causa dos quadros. A incidência de problemas na região é superior do que a mundial dos quadros de puberdade precoce. Claro que é preciso uma pesquisa rigorosa para confirmar”, esclarece. No homem, estudos relacionam a influência dos disruptores endócrinos especialmente na fertilidade: “Sabemos que, se expostos, podem ter diminuição na produção de espermatozoides e mesmo dos hormônios sexuais masculinos.”
Quando a puberdade precoce é detectada, a especialista afirma que o ideal é afastar a criança do agente agressor. “Uma vez desencadeada, além de distanciá-la da substância agressora, temos de fazer um bloqueio daquela puberdade precoce com hormônios”. Por fim, ela destaca que é fundamental a observação clínica. “Temos de ter certeza de que aquele agente é a causa do problema. São necessários exames para ver se não existe outro fator. Da ausência de outras causas, supomos que o agrotóxico é o causador do problema.”
PEC do Veneno
No dia 26/06, a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei 6299/02, que trata do registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos no país, aprovou o parecer do relator, deputado Luiz Nishimori (PR-PR), por 18 votos a favor e 9 contrários, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país. O projeto ainda tem que ser apreciado pelo plenário da Câmara.
Chamado de PL do Agrotóxico por deputados da oposição e ativistas, o projeto prevê, por exemplo, a alteração do nome “agrotóxicos” para “pesticidas”, o que deve facilitar o registro de produtos cujas fórmulas, em alguns casos, são compostas por substâncias consideradas cancerígenas pelos órgãos reguladores. Antes, a proposta era alterar a nomenclatura para “produto fitossanitário”.
As definições sobre as competências do Ministério da Agricultura (Mapa), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na análise dos produtos também foram alteradas pela proposta de Nishimori. A nova redação diz que os órgãos passam a analisar e, “quando couber”, homologar os pareceres técnicos apresentados nos pleitos de registro.
Entre as polêmicas do texto está a criação da Taxa de Avaliação de Registro, cujo valor arrecadado será destinado ao Fundo Federal Agropecuário. Outro ponto controverso é que o Ibama e a Anvisa continuam responsáveis pelas análises toxicológicas e ecotoxicológicas dos produtos, mas terão a nova atribuição de apresentar uma análise de risco.
Ao apresentar o parecer, o deputado Luiz Nishimori afirmou que não quer “colocar veneno” no prato das pessoas e que o projeto prevê a atuação da Anvisa na proibição do registro de produtos que apresentam risco “inaceitável” à saúde e ao meio ambiente.
Em nota técnica, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), órgão do Ministério da Saúde que tem como missão apoiar o desenvolvimento de ações integradas para prevenção e controle do câncer, defendeu que o Marco Legal dos Agrotóxicos (Lei 7.802/1989) não seja alterado e flexibilizado.
“Tal modificação colocará em risco as populações – sejam elas de trabalhadores da agricultura, residentes em áreas rurais ou consumidores de água ou alimentos contaminados, pois acarretará na possível liberação de agrotóxicos responsáveis por causar doenças crônicas extremamente graves e que revelem características mutagênicas e carcinogênicas”, diz o documento.
A Anvisa também condenou a proposta, por acreditar que o projeto não atende a população, que deveria ser o foco da norma. “O PL não contribui com a melhoria, disponibilidade de alimentos mais seguros ou novas tecnologias para o agricultor, e nem mesmo com o fortalecimento do sistema regulatório de agrotóxicos”, diz a agência.