Contexto

Estudo mostra como governo Bolsonaro atuou para perseguir servidores

Um grupo de seis pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) e da Universidade de Brasília (UnB) divulgou nesta segunda-feira (20/03/2023) pesquisa sobre a resistência de servidores federais às iniciativas antidemocráticas do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

As ações tiveram uma série de implicações para os órgãos públicos e, portanto, para o atendimento à população. Segundo o estudo, o governo aumentou o uso de instrumentos formais de repressão aos funcionários públicos e testou estratégias em certas organizações para replicá-las em outras, em caso de sucesso.

Durante o governo Bolsonaro, servidores federais precisaram aprimorar suas estratégias contra o desmonte institucional. Com o aumento das opressões ao funcionalismo público, o custo individual da contestação se tornou mais alto para os funcionários, que passaram a formalizar suas reações através, por exemplo, de processos judiciais coletivos.

Os aprendizados da relação conflituosa entre governo e servidores são descritos por artigo de pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) e da Universidade de Brasília (UnB) publicado na segunda-feira (20) na “Revista Brasileira de Ciência Política”.

A pesquisa mapeou estratégias de opressão do governo Bolsonaro e de reação dos funcionários públicos a partir de entrevistas realizadas de dezembro a maio de 2020 com 165 servidores federais de 15 órgãos governamentais, que atuam em áreas como planejamento, desenvolvimento social e econômico, saúde e meio ambiente. As estratégias foram classificadas como formais (com uso de mecanismos oficiais, como decretos e instruções normativas) ou informais (realizadas por mensagens de texto, por exemplo) e como coletivas ou individuais.

A abertura de processo administrativo contra um servidor a partir de acusações indevidas ou arbitrárias, exonerações e mudanças de postos de trabalho à revelia do funcionário público foram estratégias formais individuais de opressão observadas pelo estudo e causaram impacto na saúde mental dos trabalhadores. Outras táticas como assédio e ameaças informais aos indivíduos, que têm um efeito mais restrito na carreira dos servidores, também foram observadas.

A opressão formal e coletiva pode ser vista em ameaças como a responsabilização disciplinar de servidores por postagens em redes sociais, conforme nota técnica publicada pela Controladoria Geral da União em 2020, e barreiras de acesso aos sistemas de informação e documentos oficiais. A ocupação de cargos públicos por militares durante o governo Bolsonaro também cerceou o trabalho dos servidores. As estratégias de reação dos burocratas foram mais custosas nesse cenário, pois exigiram medidas judiciais e organização de resistência coletiva através de associações e sindicatos.

A pesquisadora da FGV EAESP Gabriela Lotta, uma das autoras do trabalho, explica que os representantes do governo Bolsonaro apostaram em punições exemplares para gerar a sensação de que ações individuais teriam um custo muito alto aos servidores. Isto provocou mudanças nas estratégias de reação desde o início do governo.

“Ao longo do tempo, foi se construindo um clima de medo. Por exemplo, começou a circular a informação de que os celulares estavam sendo rastreados, e então os servidores começaram a ficar com medo de mandar mensagens. Por isso, mesmo que seja mais difícil e mais caro, os funcionários públicos passaram a formalizar e coletivizar a estratégia, o que os protegia muito mais individualmente”, afirma.

Segundo Lotta, as fragilidades institucionais identificadas pelo trabalho servem de aprendizado para o atual governo e para um melhor funcionamento da administração pública, contribuindo para o fortalecimento da democracia. Um dos aprendizados é que os comitês de ética ou as corregedorias, espaços que ajudam a proteger o servidor, não podem ser ocupados por representantes políticos, como foi feito pelo governo anterior. “Precisamos de uma agenda que garanta a autonomia desses espaços de denúncia e a proteção dos servidores contra práticas como remoção e exoneração”, frisa a autora.

Assédio

A pesquisadora Michelle Morais de Sá e Silva, da Universidade de Oklahoma, dos Estados Unidos, é autora de um estudo publicado no livro Assédio institucional no Brasil: avanço do autoritarismo e desconstrução do Estado no qual reuniu relatos de servidores da administração federal. Em entrevista, ela explicou que seu trabalho não tinha a meta de destrinchar o assédio cometido pelo governo, e sim identificar os valores pessoais dos servidores da administração pública federal, mas acabou tomando esse rumo.

“Ao contar sobre suas trajetórias e atuação em temas de direitos humanos, as pessoas iam relatando situações muito difíceis, de depressão, perseguição, relatavam muito medo. Isso fez com que a gente buscasse uma reflexão sobre a necessidade de registrar esses processos”, destaca. Segundo ela, somente o fato de ver a instituição em que trabalhavam ser alvo de ataque foi motivo para servidores sentirem medo.

Com informações da Agência Brasil e Agência Bori

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