No último sábado (18), moradores do município de Pacaraima (RR), que fica na fronteira com a Venezuela, expulsaram venezuelanos de barracas e abrigos e atearam fogo a seus pertences, num princípio de revolta contra a presença deles na cidade. O tumulto aconteceu depois que um comerciante local foi assaltado e espancado em casa supostamente por quatro venezuelanos um dia antes, provocando revolta nos moradores. Também irritou a população a falta de uma ambulância para socorrer o comerciante, que ao final foi atendido no hospital local.
O incidente começou um debate a respeito da política imigratória no Brasil. Uma corrente de opiniões, principalmente nas redes sociais, aprovou a agressão dos moradores de Pacaraima e ainda pediu ações mais enérgicas para impedir a entrada de imigrantes no país.
O próprio governo de Roraima voltou a reivindicar o fechamento da fronteira com a Venezuela e uma maior atuação do governo federal para lidar com a crise humanitária. A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, negou uma liminar (decisão provisória) que havia sido pedida para fechar a fronteira entre os dois países.
Em meio a toda essa confusão, não está claro o papel do Estado brasileiro diante da questão imigratória. Pensando nisso, o Vocativo.com ouviu o advogado, doutor em Direitos Humanos e professor do Centro Universitário Internacional Uninter, Eduardo Gomes sobre o tema. Gomes também é pesquisador da crise venezuelana.
De acordo com o advogado, os venezuelanos que estão no Brasil podem ser considerados refugiados. “O conceito “refugiado” foi albergado pela Convenção das Nações Unidas, relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951) e seu protocolo de 1967. Refugiado é, portanto, toda pessoa que, devido a fundados receios de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e não pode ou não quer voltar a ele (Art. 1º). Todavia, a nova Lei de Migração institucionalizou o visto temporário para acolhida humanitária (Art. 3º). Ou seja, para finalidade humanitária, o Estado brasileiro pode outorgar o visto temporário aos imigrantes que venham ao Brasil com o objetivo de estabelecer residência por tempo determinado”, afirma.
Apesar de respaldado pela lei, o imigrante em questão também precisa se encaixar na finalidade da lei (Art. 14º). Na prática, isso significa que o migrante pode recorrer ao visto de acolhida humanitária quando for oriundo de locais com graves violações aos direitos humanos, atendendo assim a situação dos venezuelanos e haitianos no Brasil.
Ainda segundo Gomes, a nova Lei de Migração garante todos os direitos aos estrangeiros regularmente admitidos em território nacional. Assim, eles possuem todos os direitos de qualquer estrangeiro, dentre eles: residência, trabalho, acesso aos serviços públicos, etc. “Cabe ao governo propiciar políticas públicas para que venezuelanos e demais estrangeiros possam exercer regularmente os seus direitos em território brasileiro”, diz.
Crise sem precedentes
Diante deste quadro delicado e tendo em vista as eleições gerais no Brasil em outubro, o próximo chefe de Estado brasileiro deve ter uma posição conciliatória. “O próximo presidente da República deve conduzir as políticas das relações exteriores brasileiras para recuperar a liderança do Brasil na América do Sul. Da mesma forma, por meio das organizações internacionais, como OEA e Mercosul, deve atuar na pacificação interna da Venezuela. Também deverá aplicar a Lei de Migração e executar políticas públicas sobre o tema”, afirma.
Essa posição acolhedora do próximo presidente é fundamental para a harmonia no continente porque a crise no país vizinho ainda está longe de acabar. “A crise da Venezuela é sem precedentes. O presidente não conta com o apoio popular, inexiste democracia no país e o sistema democrático foi envolvido pelo bolivarianismo. A crise é econômica, social e humanitária”, lamenta Eduardo Gomes.