Amazônia Amazonas

Por que a mineração não traria benefícios para o Amazonas

Projetos de mineração são defendidos pela classe política do Amazonas sob argumento de riqueza e desenvolvimento. Mas, segundo especialistas e representantes de movimentos ouvidos pelo Vocativo, a realidade é justamente o oposto

A mineração tem sido fortemente defendida por autoridades políticas brasileiras ao longo dos últimos anos, especialmente durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo o relatório Dinamite pura: como a política mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climática e anti-indígena, publicado pelo Observatório da Mineração e o monitor socioambiental Sinal de Fumaça, os últimos quatro anos foram “dourados” para o setor.

Nos estados da Amazônia Legal, mais precisamente no Amazonas, esse tipo de projeto é quase uma unanimidade entre a classe política. Atualmente, tanto a extração de potássio pela Potássio do Brasil em Autazes (111 km de Manaus) quanto de petróleo pela Eneva na Bacia do Amazonas são vistas como prioritárias, acima inclusive dos interesses dos povos indígenas que vivem nesses locais. O principal argumento, repetido quase como um mantra, é que essa atividade “trará riqueza e desenvolvimento para a região”.

Mas, de acordo com ouvidas pelo Vocativo para esta reportagem, a vida real é muito diferente. Pra começar, a atividade é muito lucrativa para as empresas do setor, mas o retorno dessa atividade em impostos e tributos para o estado é confuso e controverso.

Além disso, estudos mostram que as regiões com maiores índices de extração de minérios possuem péssimos indicadores sociais, o que derruba o argumento desenvolvimentista. E não é só isso: não faltam histórias de catástrofes onde a atividade somada à negligência das mineradoras causaram destruição ambiental e custaram dezenas de vidas.

Quem ganha dinheiro com a mineração?

Existe um amplo debate sobre o papel da mineração no crescimento econômico e no desenvolvimento dos municípios onde tal atividade ocorre. Em primeiro lugar sim, o Produto Interno Bruto (PIB) sobe com esse tipo de atividade. O problema é que a extração em si não chega a revolucionar a economia do país. A diferença no PIB aparece no processamento dos minerais.

Pra se ter uma ideia, a contribuição da mineração e da metalurgia para o PIB do Brasil foi de 2,4% em 2019. Desse percentual, somente 0,6% se refere à extração mineral propriamente dita. O restante desse montante foi gerado pela indústria de transformação mineral. Entre os indicadores econômicos agregados, é na balança comercial que a mineração apresenta números mais relevantes, como indica a participação de 68,8% no total do saldo da balança comercial do mesmo ano.

Na prática, quem ganha são os acionistas das empresas. “Temos que levar em consideração que a extração mineral é intensiva em capital e equipamentos. Muito da renda que ela gera acaba sendo retornada para as empresas e distribuída para os acionistas, que garantiram o capital para a realização do projeto”, explica Bruno Milanez, professor no programa de Pós-graduação em Geografia e no Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica da Universidade Federal de Juiz de Fora.

“Muito da renda que ela gera acaba sendo retornada para as empresas e distribuída para os acionistas, que garantiram o capital para a realização do projeto”

Bruno Milanez

Baixos indicadores sociais

Se a atividade de extração mineral pode até contribuir para o PIB municipal e para o crescimento econômico (medido por meio do PIB), não necessariamente promove desenvolvimento social em tais localidades. Na verdade, a relação às vezes é inversamente proporcional.

Os municípios que mais arrecadam com mineração do país são Parauapebas (PA), Canaã dos Carajás (PA) e Conceição do Mato Dentro (MG). Juntas, suas receitas corresponderam a R$ 89,3 bilhões, ou seja, 42,7% do total do país. Só Parauapebas, conhecida como “capital do minério”, e está localizada no Sudeste do estado do Pará, teve, em 2020, um valor de R$ 43,9 bilhões.

Segundo o IBGE, o município paraense é o 71º do país com maior PIB per capta. Mas, no aspecto social, deixa a desejar. No quesito taxa de escolarização de 6 a 14 anos de idade, por exemplo, ele cai para a posição 4692 entre as 5570 cidades brasileiras. Ao todo, cerca de 26,7% da população da cidade vive na linha da pobreza ou extrema pobreza, com renda per capita de R$ 70 a R$ 140,00.

Canaã dos Carajás – também no Pará e segunda colocada em arrecadação de royalties da mineração do país – também não é um exemplo de desenvolvimento social. A cidade, que abriga o maior complexo minerador de minério de ferro e cobre da Vale S. A. no país desde 2016, possui 42% da população na linha da extrema pobreza ou na pobreza. Entre 2012 a 2016, houve a redução do número de pessoas extremamente pobres na cidade. Porém, a partir em 2016, essa vulnerabilidade voltou a crescer.

Para onde exatamente vai o dinheiro

Há um dado importante que precisa ser observado pelos defensores da mineração no Amazonas: o local do beneficiamento do minério não coincide necessariamente com aquele de onde ele foi extraído. Com isso, a compensação financeira poderá vir a ser paga a Municípios ou mesmo Estados que não sofreram perda patrimonial alguma.

O alerta foi feito ao Vocativo pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, que acompanha o o uso dos royalties da mineração em alguns dos municípios que recebem tal recurso nos estados do Pará, Maranhão, Minas Gerais e Goiás.

De acordo com o Atlas do Problema Mineral Brasileiro, estudo feito pelo Comitê Central em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, em parceria com o Observatório dos Conflitos de Mineração do Brasil, existem locais onde mesmo grandes projetos de extração representam apenas uma minúscula parcela de ganhos.

Os estados com mais municípios minerados são Espirito Santo (85% dos municípios), Rio de Janeiro (71%), Mato Grosso do Sul (68%), Rondônia (65%) e Amapá (65%). No entanto, não são eles os que apresentam maior valor de operações ou com os municípios que possuem maiores ganhos com a mineração. O Espírito Santo representa 0,4% da operação mineral do Brasil; Rio de Janeiro (0,3%) e Mato Grosso do Sul (0,6%).

No caso da Amazônia, há mais uma complicação: do ponto de vista tributário, a mineração paga poucos tributos. “No caso do potássio eu estou assumindo que será para mercado interno e deve pagar ICMS, mas considero importante ver se o governo do estado não estará negociando isso com as mineradoras. Dei uma olhada no Plano de Diretrizes estratégicas do Estado e eles falam apenas da CFEM (royalties) e nada sobre ICMS”, explica Bruno Milanez.

“No caso do potássio eu estou assumindo que será para mercado interno e deve pagar ICMS, mas considero importante ver se o governo do estado não estará negociando isso com as mineradoras”

Bruno Milanez

Lucro para uns, prejuízo para outros

Se a mineração traz crescimento econômico para o PIB, por outro lado, ela afeta economicamente os locais em que acontece. E isso também tem impactos financeiros negativos nas cidades. Isso porque, se a arrecadação de impostos aumenta, igualmente se elevam os custos dos serviços públicos devido ao aumento da população.

“Há uma queda da qualidade de vida. Práticas tradicionais são bastante prejudicadas como a agricultura familiar. Aumenta a violência, as cidades ficam mais caóticas, o nível de insegurança aumenta e tem perdas dos modos de vida. Ainda assim não há uma superação da pobreza”, explica Luiz Jardim Wanderley, professor de geografia da Universidade Federal Fluminense.

Segundo Wanderley, nos locais de “novos projetos” onde não há mão de obra qualificada, os melhores empregos e salários acabam por ser destinados a pessoas de fora (que não criam vínculos com as cidades e vivem como população flutuante). Para a população local, acabam sobrando trabalhos menos qualificados, muitas vezes por meio de empresas terceirizadas.

“Tais trabalhos tendem a ser temporários, sem perspectiva de crescimento profissional e, muitas vezes em condições mais precáriais de segurança. Basta ver por exemplo a quantidade de terceirzados que morreram no desastre da Vale em Brumadinho”, explica o professor.

Além disso, a promessa de emprego acaba atraindo muita gente dos municípios vizinhos que não conseguem no final das contas os empregos, mas vão ficando pelo município. Esses “saltos” de população (na maioria masculina e jovem) durante a implantação ou expansão de projetos tende a intensificar uma série de problemas sociais (violência, abuso de álcool, exploração sexual, etc.).

“Há uma queda da qualidade de vida. Práticas tradicionais são bastante prejudicadas como a agricultura familiar. Aumenta a violência, as cidades ficam mais caóticas, o nível de insegurança aumenta e tem perdas dos modos de vida. Ainda assim não há uma superação da pobreza”

Luiz Jardim Wanderley

Tragédias pelo país

Além dos benefícios da atividade mineradora serem restritos e controversos, ela também oferece uma série de riscos ao meio ambiente. O principal deles diz respeito ao destino dos rejeitos de mineração, que atualmente ficam armazenados nas chamadas barragens, empregadas amplamente em todo o mundo pela indústria do setor.

Além de essa tecnologia apresentar riscos inerentes consideráveis, o destino dos resíduos tende a ser uma preocupação menor das empresas do setor, visto que não são a fonte de seu faturamento – como destaca o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) Mine Tailings Storage: Safety Is no Accident (Armazenamento de Rejeitos de Minas: a Segurança não É um Acidente).

O caso mais grave foi o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em Minas Gerais. A tragédia-crime aconteceu em 25 de janeiro de 2019, matando 272 pessoas, entre elas duas gestantes. Foi à partir desse fato que surgiu a Associação das Vítimas de Brumadinho (Avabrum), união dos familiares das vítimas do rompimento. O movimento luta por Justiça, para que os responsáveis sejam punidos, para o encontro de todas as vítimas (três ainda não foram localizadas) e para que tragédias como essa nunca mais se repitam.

A Avabrum acompanha as cidades onde há exploração de minério e observa que na região e comunidade onde estas extrações acontecem há um impacto completamente diferente do que se é falado. “Para as comunidades ao redor, o desenvolvimento não chega. As minerações não se preocupam com o desenvolvimento local, trazem consigo pessoas para trabalhar na mineração, não captam recursos pessoais da cidade, não desenvolvem a comunidade com cursos de capacitação para atuarem na mineração”, explicou a presidência da associação em nota ao Vocativo.

Ainda segundo o movimento, há um desequilíbrio nos sistemas de educação e saúde, pois o aumento da população é desenfreada, enquanto os valores pagos como compensação social não chegam ao povo. “É mais uma falsa promessa da indústria da mineração, que gera miséria e pobreza ao seu redor. Além de que as questões ambientais não são respeitadas e muitas pessoas ficam sem saber os riscos que estão sendo expostos” alerta a presidência da Avabrum.

“Não há, em nenhum território que a gente acompanhe, qualquer processo de desenvolvimento que tenha chegado até a população. O que temos acompanhado é que, à medida que se instala no território a mineração, surge uma escalada de conflitos, violência, de expulsão de comunidades e povos tradicionais, de contaminação da alimentação, da agricultura e até do ar”, alerta Iury Paulino, coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

O MAB é formada por pessoas que têm em comum o fato de seu modo de vida ter sido modificado pela construção, operação, ameaça ou rompimento de barragens. Ele surgiu ainda no período da Ditadura Militar, quando foram construídas as primeiras estruturas desse tipo no país, que causavam a expulsão de populações dos seus territórios. Aliás, esse é algo que pode acontecer no Amazonas.

Iury afirma que uma vistoria do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) a dez barragens pelo Brasil constatou problemas denunciados pelo MAB eram verídicos. E pior: há um padrão de violação sistemático neste tipo de atividade que atinge necessidades básicas das populações. “Há um protocolo estabelecido pelas empresas que viola os direitos humanos. Não são fatos isolados ou desconhecidos dessas empresas. É uma forma de atuação delas”, afirmou.

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