Cotidiano

Entenda a polêmica envolvendo a eficácia da CoronaVac

Em meio a uma segunda onda de casos de Covid-19, o país se encheu de espectativa com o anúncio nesta quinta-feira (08/01) da eficácia de 78% da CoronaVac, vacina contra o novo coronavírus desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. No entanto, membros da comunidade científica se mostraram reticentes com esse número, devido a ausência de detalhes do estudo de fase 3, que justamente avalia a eficácia do composto.

A fase 3 e porque ela é tão importante

É preciso entender primeiro porque essa a chamada fase 3 é tão importante e desperta tanta atenção dos especialistas. Resumidamente, as duas primeiras fases medem a segurança do composto e se ele é capaz de gerar uma resposta do seu organismo. Afinal, a vacina não vai salvar você. Ela vai fazer o seu corpo salvar você. A função dela é, basicamente, fazer o seu sistema imune reconhecer uma ameaça (no caso, o novo coronavírus) e reagir.

A fase 3 de uma vacina é quando realmente medimos se a reação imunológica gerada por uma vacina é mesmo capaz de proteger pessoas de uma determinada doença. Pra isso, o jeito é testar na prática. São separados dois grandes grupos de pessoas: um recebendo a vacina e outro recebendo uma substância inofensiva, que não faz nada (chamada placebo).

A partir daí, os cientistas liberam os participantes do teste e esperam. até que um determinado número de pessoas acabe pegando a doença. Quando as pessoas adoecem, os cientistas chamam isso de evento. No estudo clínico, é estabelecido um número mínimo de eventos para parar o estudo e comparar: quantas pessoas pegaram a doença no grupo que recebeu a vacina e quantos pegaram no grupo que recebeu o placebo. Se a vacina funcionar, pela lógica, a maior parte dos que adoeceram vai estar no grupo vacinado.

A eficácia de uma vacina vem justamente daí: se eu aplico vacina em 100 pessoas e nesse grupo 30 adoeceram, então a eficácia dela é de 70%. Na prática, você teria 7 chances em 10 de ficar protegido. Para se ter uma ideia, a Organização Mundial de Saúde afirma que uma vacina com mais de 50% de eficácia já serve pra ser aplicada na população e já ajuda em muito na pandemia.

O problema da CoronaVac

No caso da CoronaVac, no anúncio feito ontem, a diretoria do Butantan não apresentou dois dados muito importantes e que ajudariam a compreender a real eficácia da vacina. Mas antes, é preciso saber o que eles significam.

O primeiro é o chamado intervalo de confiança. O objetivo de uma vacina é que ela esteja disponível para todos (mulheres, adultos, crianças, adolescentes). Mas como é impossível fazer um estudo com toda a população do planeta, se escolhem grupos, como eu falei logo acima. O ideal é que esses grupos do estudo reflitam uma parcela da população. Esse dado não ficou claro na coletiva, o que atrapalhou a análise de especialistas.

Outro segundo é o chamado desfecho primário do estudo. Quando se faz uma vacina, há um objetivo em mente: impedir casos sintomáticos de uma doença. É justamente pra saber se foi possível atingir esse objetivo é que se comparam os dois grupos de pacientes que receberam placebo e a vacina. E isso também não foi feito na coletiva de imprensa do governo de São Paulo na quinta.

Quando a diretoria do Butantan falou em de eficácia ontem, na verdade, ela falou do desfecho secundário, ou seja, de outros efeitos da vacina. Basicamente, se referiram a duas coisas: 1) Do grupo de pessoas que recebeu a vacina, ninguém (100%) teve casos moderados, graves ou precisou de internação e 22% do grupo vacinado teve casos leves ou precisaram de atendimento ambulatorial em relação ao que recebeu o placebo.

Em outras palavras, a eficácia da CoronaVac provavelmente é menor de 78%. “Quando pressionado pelos repórteres por esses dados, o diretor do Butantan disse q o número total de eventos era cerca de 220, com 160 no placebo e “pouco menos” de 60 casos nos vacinados. Calculando-se a eficácia por esses números, chegaríamos a cerca de 64% – uma boa eficácia”, explicou em sua conta do Twitter a epidemiologista Denise Garrett.

Então deu tudo errado? Nos iludimos a toa? A eficácia não é muito baixa? De modo algum!

Ainda é uma ótima vacina

Mais do que uma proteção individual, a vacina é uma medida de saúde coletiva. Melhor do que ter o vírus e responder bem a ele é simplesmente impedir que ele chegue até você. É a isso que se refere o termo imunidade coletiva ou imunidade de rebanho.

Se uma população de milhões de pessoas, a CoronaVac, por exemplo, puder impedir casos graves e internações e pelo menos 64% das pessoas simplesmente não desenvolverem sintomas, nossos problemas com a Covid-19 acabam. Aí sim, ela poderá ser chamada de “gripezinha”.

Mas calma. A crítica de muitos especialistas sobre a falta de dados é justa. Sem saber a real eficácia da vacina e detalhes de como o estudo foi feito, é complicado estabelecer qual o percentual de pessoas precisaria ser vacinado para chegarmos na tão sonhada imunidade de rebanho.

Agora, mais do que nunca, é o momento de triplicar os cuidados. Há no horizonte vacinas eficazes, seguras e acessíveis ao Brasil. Isso precisa ser interpretado como sinal de esperança. Não vale a pena arriscar agora que temos a chance de acabar com esse pesadelo. Siga usando máscara, evitando aglomerações, dando preferência a lugares abertos e ventilados.

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