Eleições 2022 Opinião

Eleições 2022: no debate mais importante da nossa democracia, todos perderam

Aconteceu na noite deste domingo (28/08/2022) o primeiro debate entre candidatos à presidente da República das eleições de 2022. Para facilitar essa análise, vou dividí-la em duas partes. Em uma, vai ser abordado o desempenho de cada um e o saldo final das consequências desse confronto. Na outra, vai ser preciso explicar o porquê ao final dele, a democracia saiu perdendo.

O debate

Na era das redes sociais, um debate em TV aberta serve menos para apresentar propostas e confrontar adversários e mais para extrair engajamento. A chance de aparecer em rede nacional proporciona a oportunidade de cortes da transmissão em trechos que serão utilizados nas conversas do Facebook e nos grupos de Whatsapp e Telegram. Acontece muito atualmente com podcasts, por exemplo, que frequentemente vemos viralizar na rede.

Ficou claro, por exemplo, que o desempenho do presidente Jair Bolsonaro (PL) teve esse objetivo. Se para parte da opinião pública ele foi mal porque foi confuso, mentiu (quando disse que a Petrobrás teve prejuízo de R$ 900 bilhões, o que já foi desmentido por agências de checagem) ou foi mais uma vez escanalosamente misógino contra uma jornalista (Vera Magalhães), para sua militância, ele “mitou”. A frase dele para Vera dizendo que ela é uma vergonha para o jornalismo trará êxtase e delírio para as mulheres bolsonaristas.

Claro que, se o objetivo era falar para além dos seus apoiadores, Bolsonaro foi um fiasco. Ao não assumir o problema da fome no Brasil, desdenhou do sofrimento de milhões de eleitores, sejam os que passam fome, sejam os que compadecem por eles. E para quem está atrás nas pesquisas, isso é péssimo. Mas para quem quer chegar ao segundo turno e ganhar tempo, foi positivo.

Lula, por sua vez, foi mal. Mal não, muito mal. Para muitos, passou a imagem de alguém desgastado, retrógrado, preso ao seu passado de presidente de um país que ficou no distante ano da conclusão dos seus mandatos, em 2010. Para quem veio de uma ótima entrevista no Jornal Nacional, seu desempenho foi fraco. Para quem foi inocentado em diversas instâncias do judiciário e teve contra si um presidente que cometeu uma enciclopédia de crimes de responsabilidade, Lula saiu quase como vilão da noite ao ser atacado por todos os seus opositores.

Quanto aos demais candidatos, as duas representantes femininas presentes ao debate foram os grandes destaques. A senadora Soraya Thronicke (União Brasil), praticamente desconhecida do grande público, foi uma das poucas a confrontar os rompantes de Bolsonaro, ainda que tenha sido evasiva nas propostas. Já Simone Tebet (MDB) teve o melhor desempenho. A também senadora foi a quem mais conseguiu se apresentar para a grande audiência, mostrando mais equilíbrio, articulação e desenvoltura do que os demais. Não será surpresa se ganhar pontos nas próximas pesquisas.

Ciro Gomes (PDT), por sua vez, seguiu em sua estratégia de nivelar Lula e Bolsonaro, o que pode até satisfazer seus eleitores, mas cria atritos com a audiência dos dois candidatos mais bem colocados das pesquisas. Além de forçar por diversas vezes um apelo religioso que não convenceu nem seus próprios apoiadores. Se a estratégia era falar para além de seu próprio círculo, falhou feio. Já Felipe D’ávila (Novo) nem pode ser chamado necessariamente de candidato, mas de apoiador de privatizações.

O outro debate

Do ponto de vista ético, todos perderam. De candidatos a jornalistas. Ao longo de todo o debate, os 680 mil mortos pela pandemia, o negacionismo das vacinas, a demora em comprar vacinas, a demora em enviar oxigênio para Manaus, a obsessão de Bolsonaro pela cloroquina, o sigilo dos cartões corporativos, o Orçamento Secreto, os ataques contra a democracia, os escândalos de corrupção no MEC e no Ministério da Saúde, os 33 milhões de famintos no Brasil, o desmatamento recorde na Amazônia, a violência contra seus opositores. Tudo isso mal foi mencionado. E isso é um absurdo.

Ora, estávamos em um debate político, certo? Se o debate é sobre política, a pauta mais relevante da política deveria ser o fio condutor das perguntas, tanto de candidatos quanto de entrevistadores. Qual o ponto mais importante da política brasileira nos últimos quatro anos? Um governo cujo presidente, dentro da maior crise de saúde pública brasileira, simplesmente causou mortes de milhares porque demorou a comprar vacinas!

Não é que todos tem de ficar contra Bolsonaro. É Bolsonaro quem está contra todos. O ataque covarde e misógino contra Vera Magalhães, por exemplo, não é só contra ela, mas contra todas as jornalistas, inclusive Patrícia Campos de Melo, que fez a pergunta seguinte, que já foi atacada antes. As mentiras dele não atacam Lula ou Ciro Gomes, mas o cidadão brasileiro. Os mortos na pandemia não são problema de Tebet, mas de todos. Como simplesmente ignorar tudo isso?

Eu faço a seguinte analogia: estou desempregado. Ao sair de casa pra procurar trabalho, eu levo um tiro. O que eu faço? Corro para o hospital pra tirar a bala e não morrer ou continuo procurando emprego? É a mesma coisa! O país tem questões urgentes, mas não há como debater coisas importantíssimas como desemprego e crescimento econômico se na sala há alguém que capaz de atrocidades que pode continuar no poder!

É preciso entender de uma vez por todas: há um corpo estranho encravado no coração da democracia brasileira chamado Jair Messias Bolsonaro. Suas ações diretas e indiretas causaram a morte de 680 mil pessoas, levou outras 33 milhões a passar fome e outra sequência de crimes de responsabilidade. E esse corpo estranho precisa ser removido.

Ao normalizar Bolsonaro, todos os presentes no debate de ontem normalizaram a barbárie. E diante de tudo que ele fez nestes quatro anos, essa foi, sem dúvida, uma vitória para ele. E uma terrível derrota para todos nós.

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