O artigo 34 da Constituição Federal de 1988 estabelece que, em situações de emergência, o Governo Federal pode intervir nas competências de um ente da federação, isto é, de um estado ou do Distrito Federal. Dentre os principais motivos para uma ação nessa escala, estão impedir grave comprometimento da ordem pública e a prestação de contas da administração pública. Nesse caso, é bastante seguro afirmar que o Amazonas precisa dessa medida urgentemente.
Só esta semana, descobrimos uma quadrilha composta por policiais civis e militares articulada dentro da própria Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM) para extorquir criminosos e que supostamente seria gerenciada pelo próprio secretário (agora ex), um general da reserva do exército. O pior: não é a primeira vez. Em 2021, foi descoberta outra quadrilha, no setor de inteligência da mesma secretaria, agindo da mesma forma com garimpeiros.
Se um único episódio desses já não fosse grave o suficiente, dois significa que a segurança do cidadão está comprometida. Se DUAS QUADRILHAS, dentro da mesma gestão do governador Wilson Lima, foram formadas, como acreditar que não há outras? Como não suspeitar que as próximas escolhas para a pasta não serão tão ruins ou até piores? Isso tirando o fato de três secretários de saúde presos durante a pandemia com o próprio governador envolvido e com o mandato sob risco no Superior Tribunal de Justiça.
Na capital Manaus, falta transparência e decoro. Em um evento que movimentará milhões com o uso de espaço e patrimônio público no famigerado Sou Manaus Passo a Paço, a prefeitura simplesmente se nega, sob as justificativas mais cínicas, a mostrar os contratos firmados com empresas privadas. Empresas essas, que como veremos em matéria nesta segunda-feira (04/09/2023) no Vocativo, possuem relação no mínimo suspeita com o poder público. Enquanto isso, o prefeito David Almeida chamou quem pedia por transparência de “imbecis”.
Os órgãos de fiscalização e controle são um caso à parte. Com o Ministério Público totalmente inerte no caso da prefeitura, coube à Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM) pedir a suspensão apenas da venda de ingressos para o evento, fato reforçado por um conselheiro do Tribunal de Contas (TCE-AM). No final, o próprio presidente da Corte, após “apelo da prefeitura” autorizou a venda, afirmando que a população não poderia ser prejudicada.
Mas como pode isso??? Se a prefeitura tem dever constitucional de dar transparência a contratos que digam respeito a espaços públicos, não há o que pedir, não há o que argumentar, é para cumprir a lei! E se a prefeitura e a Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult) preferem apelar a argumentos emocionais ao invés de cumprir a lei, todo o evento está sob grave suspeita e deveria ser completamente suspenso.
A situação é tão grave e suspeita que, no dia seguinte à suspensão da venda de ingressos, o próprio secretário da Manauscult, Osvaldo Cardoso, foi pessoalmente entregar uma camisa do Sou Manaus ao superintendente da Polícia Federal do Amazonas, delegado Umberto Ramos.
Ora, por que, de todas as autoridades do estado, só o delegado da PF mereceu uma “visita de cortesia”? E por que o delegado, diante das suspeitas que pairam sobre o evento – que é patrocinado por empresas alvo de operações federais – não recusou a foto? Afinal, nada impede que a Manauscult amanhã seja alvo de um inquérito sobre o evento. Já imaginaram a situação constrangedora em nível nacional?

Isso tudo aconteceu em uma única semana, mas os casos já estão se acumulando há anos. Alguém precisa fazer alguma coisa. É inadmissível que a ordem pública seja submetida a essa quantidade de irregularidades impunemente. Cabe ao Ministro da Justiça, Flávio Dino, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), formarem uma coalizão e intervir.
A intervenção precisa acontecer para que o governo do Amazonas tenha suas funções institucionais investigadas e restabelecidas, visto que as reiteradas ações da Polícia Federal mostram que ela pode estar totalmente comprometida. Mas essa ação federal precisa acontecer sobretudo junto aos órgãos de fiscalização e controle para que cumpram seu trabalho. Estamos cansados de sermos tratados como “imbecis”.