Opinião

É preciso encarar a pauta de costumes

De nada adianta se revoltar com a atitude asquerosa de uma juíza contra uma criança de 11 anos, se no momento em que se propõe debater o aborto, os próprios defensores dos direitos humanos preferem o silêncio em nome de votos

Hoje o Brasil mais uma vez se viu diante de um caso estarrecedor onde o conservadorismo expôs uma criança a uma situação ultrajante. De acordo com matéria das repórteres Paula Guimarães, Bruna de Lara e Tatiana Dias no The Intercept Brasil, em colaboração com o portal Catarinas, uma menina de 11 anos, que ficou grávida após ser vítima de um estupro em Santa Catarina, foi impedida de realizar o procedimento pela juíza Joana Ribeiro Zimmer.

Segundo a reportagem, a menina foi levada a um abrigo longe da família com o objetivo de não realizar o procedimento, que é permitido pela lei em caso de violência sexual ou risco de vida à gestante. As repórteres tiveram acesso ao vídeo da audiência judicial, ocorrida no dia 9 de maio. Na ocasião, a magistrada pressiona a criança a manter a gravidez, mentindo ao equiparar o aborto a um assassinato e se referindo ao estuprador como “pai” do feto.

Esse tipo de situação não é nova. Em 2020, por exemplo, uma criança de 10 anos passou pela mesma situação no Espírito Santo, inclusive com a participação da então Ministra da Mulher do governo Bolsonaro, a pastora Damares Alves. E isso são casos famosos, de grande repercussão. Mas a realidade é que mulheres e crianças passam por toda sorte de humilhações e violência para conseguir um direito básico: sobrevivência e autonomia sobre seus corpos.

O grande problema é que, quando alguma liderança política tenta trazer esse debate, não encontra respaldo mesmo entre seus apoiadores. O ex-presidente Lula, candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto nas eleições deste ano, por exemplo, foi alvo de críticas de membros do seu próprio partido por defender o direito ao aborto. O PSOL sempre é atacado por setores da esquerda por defender abertamente essa pauta.

Ciro Gomes, outro candidato do campo da esquerda que tem uma base sólida de apoiadores, não apenas se omite do debate como ainda afirma categoricamente que esse não é um debate para o presidente da República, o que é um absurdo. O presidente é o representante popular para atender as demandas do cidadão. Se ele não propuser o debate, quem fará isso?

Existe um movimento extremista conservador e religioso cada vez mais organizado e ousado trabalhando em setores chave da sociedade como o Congresso e o Judiciário para tentar transformar o Brasil em uma versão real da Gilead da série The Handmaid’s Tale. Se não houver uma reação da sociedade civil, essas figuras nefastas ganharão cada vez mais terreno.

E não adianta vir com a desculpa de que o discurso conservador evangélico faz com que temas como o aborto e direitos LGBTQIA+ criem resistência na população e tire votos da esquerda. Isso só acontece porque falta levar esse debate para a população. Enquanto tudo que o povo ouvir sobre aborto é que ele é “pecado”, é exatamente assim que ele vai pensar. É preciso levar a ele o contraponto, a dúvida e o questionamento. É preciso disputar a narrativa com os extremistas.

Aborto é uma questão de saúde pública. Ninguém o defende como método contraceptivo, mas como uma medida desesperada diante de uma situação extrema. E no caso dessas crianças, a lei é absolutamente clara: é direito delas fazê-lo. Se não formos capazes de encarar esse debate de maneira séria nem ao menos pra fazer cumprir a lei, é o fim.

Mulheres ricas como Damares e Joana podem dizer imbecilidades sobre o aborto porque podem pagar por um onde quiserem. A maioria das vítimas de abortos clandestinos é pobre e negra, justamente pela sua exclusão social. O problema faz parte da vida da população mais pobre há décadas. Isso é e sempre foi do interesse do povo. Falta apenas fazê-lo entender isso.

3 comentários

  1. Texto tendencioso, simplesmente tenta levar para a politica. Sou de direita, e sou a favor de aborto que já estão previsto na lei.

    1. Mas sendo de direita ou não o Sr. a de convir que a direita é totalmente contra os direitos reprodutivos, inclusive contra o aborto. Ou seja, é um assunto politico sim.

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