O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, suspendeu, na noite desta terça-feira, o habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aos quatro condenados pela tragédia da boate Kiss e determinou que eles cumpram imediatamente as penas, que variam de 18 a 22 anos de prisão, a eles impostas pelo Tribunal do Júri.
Os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão foram condenados por homicídio e tentativa de homicídio simples por dolo eventual pelo incêndio que resultou na morte de 242 pessoas e deixou outras 636 feridas em janeiro de 2013, uma das maiores tragédias brasileiras.
Até a manhã desta quarta-feira (15/12/21), dois dos réus já haviam se apresentado à Justiça e os outros dois afirmaram que se apresentariam para cumprir a decisão do STF. A jurista e mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles, avalia que a suspensão contraria o que diz a Constituição Federal em seu artigo 5º e afirma que a decisão tem caráter “midiático e populista”.
“Os requisitos para a prisão preventiva estabelecidos no artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP) não se aplicam ao caso dos réus em questão. Pela lei, a prisão antes do trânsito em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recursos, se justifica pelo perigo imposto à sociedade e risco de fuga, por exemplo. Os quatro aguardam o andamento do processo em liberdade há 8 anos e nunca fugiram e nunca representaram ameaça à sociedade nesse período”, analisa.
Na decisão, Fux diz que considerou a “altíssima reprovabilidade social das condutas dos réus, a dimensão e a extensão dos fatos criminosos, bem como seus impactos para as comunidades local, nacional e internacional”. “Quando uma tragédia como essa acontece, há um grande clamor popular por Justiça, mas as decisões do Judiciário devem se nortear pelas leis vigentes no nosso país”, comenta a advogada.
A jurista conta que o dispositivo que prevê, no Pacote Anticrime, a prisão após a condenação em primeira instância – e que foi usado para justificar a prisão imediata dos réus – está sendo discutido quanto à sua constitucionalidade. “Esse artigo contraria o artigo 5º da Constituição Federal, que versa sobre o direito à ampla defesa e prevê a prisão quando se encerram as possibilidades de recursos. O próprio STF já definiu anteriormente que a prisão antes do trânsito em julgado tem que ser definida com base no artigo 312 do CPP”, diz.
Jacqueline avalia que o habeas corpus preventivo concedido aos réus pelo TJ-RS segue os critérios previstos em lei. “O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fez exatamente o que a lei e a Constituição esperam. Não há o que se questionar nesse habeas corpus. O que aconteceu em Santa Maria foi uma das maiores tragédias brasileiras, mas enquanto o Brasil viver uma democracia regida por uma Constituição e com uma ampla legislação, é preciso fazer Justiça com base nas leis. O que se busca, em uma sociedade saudável, é a punição com a Justiça, não uma vingança”, afirma.