Cientistas da África do Sul anunciaram nesta segunda-feira (31/08/21) a descoberta de uma nova variante do novo coronavírus com diversas mutações potencialmente perigosas. Ainda não se sabe se ela é mais contagiosa ou capaz de superar a imunidade fornecida por vacinas ou uma infecção anterior.
Essa descoberta trouxe novamente o debate sobre o acesso de vacinas pelo mundo. Enquanto muitos países, incluindo o Brasil, discutem e até aplicam uma terceira dose, muitos países, principalmente na África, sequer completaram os principais grupos de risco. E com a distribuição desigual de vacinas pelo mundo, a tendência é o surgimento de variantes continuar acontecendo.
África do Sul
A nova variante, conhecida com C.1.2, foi detectada primeiramente em maio e já se disseminou na maioria das províncias sul-africanas e em sete outros países da África, Europa, Ásia e Oceania, de acordo com pesquisas ainda não submetidas à revisão da comunidade científica.
Ela contém muitas mutações associadas a outras variantes com uma transmissibilidade acentuada e uma sensibilidade reduzida a anticorpos neutralizadores, mas estas ocorrem em uma mistura diferente, e os cientistas ainda não têm certeza de como elas afetam o comportamento do vírus.
Testes de laboratório estão em andamento para determinar o quanto a variante é neutralizada por anticorpos. A África do Sul foi o primeiro país a detectar a variante Beta, a segunda das quatro classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “variantes de preocupação”.
De todas, a Beta é, até aqui, a variante com a maior capacidade de escapar das vacinas da AstraZeneca, fato que fez o governo sul-africano desistir de aplicar o imunizante no início do ano. Richard Lessells, especialista em doenças infecciosas e um dos autores da pesquisa sobre a C.1.2, disse que o surgimento da variante mostra que “esta pandemia está longe do fim e que este vírus ainda está explorando maneiras de possivelmente ficar melhor em nos infectar”.
Desigualdade
O surgimento dessa nova variante é um alerta para o mundo sobre uma questão crítica: o acesso global a vacinas. De acordo com o site Our World in Data, que faz o monitoramento global da pandemia, cerca de 39,5% da população mundial recebeu pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19. Destas, 5,29 bilhões de doses foram administradas globalmente e 41,1 milhões agora são aplicadas a cada dia. No entanto, apenas 1,7% das pessoas em países de baixa renda receberam pelo menos uma dose.
O consórcio Covax Facility, iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), para distribuição mais igualitária de vacinas, está sem doses suficientes para continuar os programas de vacinação, avisou a Organização Mundial da Saúde (OMS). O Covax entregou 90 milhões de doses a 131 países, número que nem sequer está perto da quantidade suficiente para proteger aquelas populações, alerta Bruce Aylward, conselheiro da OMS. A insuficiência é maior na África, que enfrenta nova onda de infecções.
“O mundo se assustou quando a Beta emergiu. Tememos que nossas vacinas não pudessem segurar essa variante, em virtude de seu escape. Depois, tememos a Delta e hoje estamos vendo todo seu potencial. E iremos seguir temendo cada vez que escutarmos sobre o surgimento de uma nova variante, porque sabemos que o risco é real.”, alerta Mellanie Fontes-Dutra, biomédica, neurocientista e coordenadora da Rede Análise Covid.
Vacinas x mutações
A distribuição mais igualitária de vacinas ganhou ainda mais importância com um estudo, ainda sem revisão por pares, publicado nesta segunda. Nele, ficou constatado que a taxa de cobertura vacinal em 16 países é inversamente proporcional à frequência de mutação da variante Delta. Isso significa que a vacinação completa é fundamental para suprimir mutações emergentes do novo coronavírus.
“Não é segredo, nem novidade, que a permanência desse estado de transmissão elevado, que é construído por vários fatores (baixa cobertura, falta de adesão adequada a medidas como uso de máscara) gera um risco de vermos novas variantes surgirem. Enquanto a transmissão estiver alta, o risco estará pairando, e uma hora precisaremos enfrentar isso tendo a perspectiva global”, afirma Mellanie.