Contexto

Antes referência, Brasil despenca em índices mundiais de vacinação

“Problema mundial” na vacinação infantil apontado pelo Governo Brasileiro ocorre em apenas 7 países pelo mundo

Por Linda Almeida, especial para o Vocativo

No último dia 17 de outubro, Dia Nacional da Vacinação, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que a queda na cobertura vacinal de crianças contra a poliomielite no país era  um “problema mundial” e não “só do Brasil”. No entanto, dados colhidos no DataSus e no sistema da Organização Mundial da Saúde apontam o oposto: dos 195 países reconhecidos pelo órgão, o Brasil está entre os 15 que apresentam cenário de oscilações constantes nos últimos 20 anos.

O mais interessante é que o Brasil antes era referência. Entre esses países, apenas sete chegaram a ultrapassar a marca de 95% de cobertura no período avaliado, considerado o índice ideal, sendo que Brasil e Bahamas se mantiveram acima desse número por quase 15 anos consecutivos, sendo considerados países de referência.

Tanto no país caribenho quanto no Brasil, o cenário começou a mudar a partir de 2016. Pela primeira vez desde o início dos registros públicos da OMS, o país verde e amarelo conseguiu imunizar apenas 72% do público alvo contra a poliomielite. Uma queda de vinte e seis pontos percentuais em pouco mais de um ano.

Países que já foram referência na cobertura vacinal e apresentaram queda nos últimos seis anos | Fonte: Organização Mundial da Saúde

Segundo o ex-diretor presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gonzalo Vecina, um dos motivos mais claros que justificam essa queda foi a diminuição do investimento na saúde. Em 2016, por exemplo, foi aprovada a Emenda Constitucional Nº95, a popular PEC do teto de gastos públicos. A medida limita despesas e investimentos ao mesmo custo do ano anterior, corrigidos apenas pelo índice de inflação.

“As autoridades tiveram que tomar uma decisão em relação ao que deixariam de gastar. Ao Ministério da Saúde, uma decisão muito fácil foi: ‘pare de gastar com campanhas’”, afirma Vecina.

Quando a nova emenda entrou em vigor, dados obtidos pela agência Repórter Brasil através da Lei de Acesso à Informação, mostram que o investimento em publicidade vacinal saiu de R$97 milhões  em 2017 para R$33 milhões em 2021. Uma queda de 66%.

Ainda de acordo com o sanitarista, o risco de uma decisão como essa se dá com base no comportamento do próprio brasileiro, que pouco acompanha o calendário vacinal de maneira minuciosa. “Nós não temos processo de vacinação contínuo como acontece nos países da Europa. Nosso processo depende da fala e da convocação. Sem isso, os pais não levam seus filhos”, conclui.

Um PNI estagnado

No último dia 03 de novembro, o Programa Nacional de Imunização completou 49 anos de existência. Em boa parte desse período, o Brasil foi considerado referência em vacinação pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Contudo, com a queda de investimentos, a evolução do PNI tornou-se ainda mais difícil.

Para Alcides Miranda, professor de saúde coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,  o erro foi permitir que elas estagnassem. “A manutenção e evolução desse capital institucional (PNI) requer permanentes investimentos e aprimoramentos, o que não ocorreu a partir de 2016. […] muitas vezes intencionalmente, negligenciadas pelo governo federal.”, lamenta.

Durante a 24ª Jornada Nacional de Imunizações, por exemplo, uma pesquisa revelou que 16% dos pais acham desnecessário vacinar os filhos contra doenças erradicadas.  Mesmo ciente disso, o PNI carece de campanhas de combate ao negacionismo vacinal,  consequência direta da pandemia de Covid-19.

“Deveriam ter sido realizadas fortes e consistentes campanhas de divulgação visando alterar a baixa adesão voluntária às imprescindíveis imunizações, principalmente das crianças. Contudo, como esperar tal iniciativa de um governo que adotou e implementou a necropolítica?”, reitera Miranda sobre as políticas do atual Governo.Vul

Amazonas x Negacionismo

No estado do Amazonas, o índice de queda na cobertura vacinal contra poliomielite é mais atenuado do que no âmbito nacional. Desde 2020, o estado não consegue chegar a marca de 70% de cobertura e até outubro deste ano, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, quase não conseguiu atingir os 60%.

Vacinação contra poliomielite no Amazonas | Fonte: FVS-AM e DataSUS | (*) Dados de 2022 colhidos pela FVS até Outubro de 2022

O epidemiologista Jesem Orellana, do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) atribui a queda à duas causas correlacionadas: a disseminação desenfreada de informações falsas e o sucateamento dos aparelhos públicos no cenário pós covid-19.

“Além de ter sido terreno fértil à disseminação descontrolada de fake news, gerando medo, dúvida e até revolta de mães e responsáveis em relação à vacinação dos menores de idade, [tivemos também] um cenário de inacreditável apatia do judiciário, ineficácia do legislativo”, conta.

Na visão do profissional, em regiões como a norte do Brasil, onde a epidemia se desenvolveu de forma mais dramática, os programas e serviços de saúde tornaram-se cada vez mais sucateados e incapazes de serem reformulados de maneira adequada.

Na capital do estado, Manaus, algumas medidas foram implementadas para aumentar a cobertura vacinal. Mutirões em finais de semana, ampliação de horário de funcionamento em unidades básicas de saúde e buscas ativas foram reforçadas apenas nos últimos dias da campanha. No entanto, isso não foi suficiente e ainda deixou o estado a 35 pontos percentuais abaixo do ideal.

“O primeiro e mais importante passo já foi dado, a troca do líder máximo do executivo. Isto deve garantir não apenas a escolha de um Ministro de Estado da Saúde competente.”, garante, “É necessária uma reestruturação das estratégias de vacinação no país, sobretudo em regiões altamente vulneráveis como a Amazônica, municípios do interior e comunidades ribeirinhas e indígenas”, finaliza Orellana.


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