Após uma série de polêmicas envolvendo a questão ambiental no Brasil, diversos setores do Congresso Nacional passaram a se articular para remanejar poderes do governo federal para ter mais capacidade de avançar nessas pautas. Os principais alvos estão os ministérios do meio ambiente e povos indígenas, que podem perder prerrogativas importantes nas próximas semanas, favorecendo setores do agronegócio e da mineração.
Marco Temporal
Nesta quarta-feira (25/05/2023), a Câmara dos Deputados aprovou, por 324 votos a favor e 131 contra, o requerimento de urgência para o projeto de lei do marco temporal na demarcação de terras indígenas (PL 490/07). O projeto, na forma do substitutivo do deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição federal.
Para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que elas, na data de promulgação da Constituição, eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
A oposição foi liderada pela deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), acompanhada na tribuna de parlamentares do Psol com cartazes contrários ao projeto. Ela afirmou que a votação do marco temporal é um retrocesso, invade tema já em discussão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e viola direitos dos povos originários. “A caneta tem assassinado os nossos direitos. Não se trata de uma pauta partidária, mas humanitária”, afirmou.
Marina Silva e Sônia Guajajara
Enquanto isso, a comissão mista sobre a Medida Provisória 1154/23 aprovou nesta quarta-feira (24/05/2023), por 15 votos a 3, o projeto de lei de conversão do relator, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL). O texto aprovado altera a organização dos ministérios definida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva logo após a posse, em janeiro.
O problema é que essa alteração tem como efeito direto a perda de poderes do Ministério do Meio Ambiente, chefiado pela ministra Marina Silva (Rede) e dos Povos Indígenas, da ministra Sônia Guajajara (Psol). O texto seguirá agora para os Plenários da Câmara dos Deputados e do Senado. O Legislativo precisará concluir a análise até o dia 1° de junho, quando a medida provisória perderá validade.
Mudanças realizadas
Conforme o texto aprovado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública voltará a responder pelo reconhecimento e pela demarcação de terras indígenas. A gestão Lula havia alocado essas atribuições no Ministério dos Povos Indígenas, criado em janeiro e ao qual caberá sugerir novas áreas destinadas a povos tradicionais.
A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) protestou contra essa alteração. “Acredito que toda discussão no Ministério dos Povos Indígenas é uma pauta humanitária”, analisou. “Não existirá possibilidade de barrarmos as mudanças climáticas se não respaldarmos, como democracia, a demarcação dos territórios indígenas”, disse.
Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, pelo texto aprovado, deixará de ter algumas atribuições. O Cadastro Ambiental Rural (CAR), que no governo Bolsonaro saiu do Meio Ambiente e passou para a Agricultura, agora estará vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
Os sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, hoje no Meio Ambiente, vão para o Ministério das Cidades, que, no saneamento, atuará inclusive em terras indígenas. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) será vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
O deputado Kim Kataguiri (União-SP) declarou posição contrária ao parecer do relator por causa das alterações no Ministério do Meio Ambiente. “Esvaziar o ministério é uma questão institucional, e essas mudanças serão prejudiciais, mesmo que eu discorde veementemente da ministra Marina Silva”, disse.
A versão final do parecer determina ainda transferência de algumas atribuições relacionadas à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada pela MP ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Parte das responsabilidades passará ao Ministério da Agricultura e Pecuária, ao qual a Conab pertencia antes.
Serão atribuições do Ministério da Agricultura a garantia de preços mínimos, à exceção dos produtos da sociobiodiversidade, as ações sobre comercialização, abastecimento e armazenagem, bem como as informações dos sistemas agrícolas e pecuários – entre elas, os preços de mercado do boi gordo e das sacas de grãos.
Em razão dessa mudança, o texto aprovado acabou alterando responsabilidades do Desenvolvimento Agrário associadas ao fortalecimento e à sustentabilidade da agricultura familiar. Caberá ao ministério, por exemplo, a garantia dos preços mínimos da produção das famílias no campo e o apoio ao cultivo de orgânicos.
O Ministério das Comunicações assumirá a política nacional de conectividade e de inclusão digital e a rede nacional de comunicações. Por sua vez, o Ministério do Desenvolvimento Social e Assistência Social, Família e Combate à Fome deverá responder por inciativas para redução no uso abusivo de álcool e outras drogas.
Aceno
Em resposta às críticas, o Ministro da Justiça Flávio Dino lembrou em um tuíte na manhã desta quinta-feira (25/05/2023) que a prerrogativa da organização e funcionamento da administração federal compete ao presidente da República. Enquanto isso, o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) ainda não se manifestou a respeito.

Com informações da Agência Câmara de Notícias