A inflação e a taxa Selic caminham em direção aos dois dígitos, corroendo cada vez mais o nosso poder de compra. Especialistas em economia já falam que ambas podem chegar a 2022 acima dos 10%, desencadeando ainda mais perdas, agravando a crise econômica do país, já castigado pela pandemia da Covid-19. Tudo isso em um cenário de instabilidade política com as eleições gerais. O saldo de tudo isso deverá ser sombrio e preocupante, na avaliação de Paulo Sandroni é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP).
De acordo com Sandroni, a inflação representa uma saída fácil para um problema complexo, mas que tem um efeito colateral muito ruim para políticos em época de eleição. “Os preços (sobre os quais os impostos são calculados) aumentam e a receita cresce, ao passo que despesas correntes do governo, como pagamento de salários (reajustes), não crescem com a mesma velocidade. As receitas aumentam, mas por outro o governo lida com substância eleitoralmente tóxica: os preços nas nuvens obrigam os mais pobres a comprar o osso”, analisa.
O resultado está sendo sentido na pele tanto por brasileiros quanto pelo presidente Bolsonaro, que viu sua popularidade cair desde o agravamento da crise. E com as eleições se aproximando e Lula na liderança das pesquisas de intenções de voto, o atual presidente optou pela resposta mais rápida: dar mais dinheiro para os pobres. A qualquer custo.
“Entre a inanição popular e a revolta, o caminho é curto. Para neutralizar o desgosto, o governo acena com um auxílio de R$ 400, já que não é pecado abrir a caixa de ferramentas das bondades. A operação fura-teto de gastos, que viabiliza também as secretas emendas parlamentares, deve ser entendida neste contexto: o importante é ganhar as eleições, o resto fica para depois. Se a economia despenca arrastando ainda mais para o fundo do poço o emprego e a renda de milhões, a gente resolve em 2023”, alerta o pesquisador.
Como as eleições são gerais, ou seja, serão escolhidos também governadores, deputados e senadores, uma boa parte dos agentes políticos, de dentro e de fora do governo, deverão entrar na mesma corrida, o que tende a paralisar o país ao longo de todo o ano. Isso significa que as ações que poderiam pavimentar o caminho para fora da crise vão ficar para após o mês de outubro de 2022. Ou até mais para frente.
“No médio e longo prazo, no entanto, essa política afugenta investidores. Investimentos produtivos, indispensáveis para a retomada do crescimento, demandam tempo de maturação. Em outras palavras, requerem no mínimo de três a cinco anos para apresentar os primeiros retornos. Se os investidores não sentirem segurança e as incertezas aumentarem, permanecerão no modo de espera, e a alavanca do crescimento não se moverá de forma robusta”, lamenta Sandroni.
É justamente o momento que virá depois o grande problema. “Ampliando a dívida pública, o governo federal necessitará rolar parte crescente dela no curto prazo, pagando juros cada vez mais elevados. As inevitáveis desvalorizações cambiais, ao mesmo tempo causa e efeito do ambiente envenenado pelo binômio inflação/incertezas, elevarão os preços da cesta básica”, afirma o professor.
Teto de gastos
Embora seja criticado por muitas lideranças políticas do Brasil, o chamado Teto de Gastos não pode ser ignorado neste momento, na avaliação de Paulo Sandroni. Na sua avaliação, esse mecanismo oferece uma estabilidade econômica importante para o país.
“Esse pessoal acha que o governo pode gastar quanto quiser, que a dívida pública é um barril sem fundo, não analisa as condições concretas da economia capitalista na qual vivemos e na qual o investimento depende do setor privado e sem o qual a economia não cresce. O investidor privado requer estabilidade e não convive bem com inflação e taxas de juros em elevação consequências do desequilíbrio fiscal. O respeito ao teto de gastos é importante para garantir um mínimo de estabilidade”, orienta o economista.
Alternativa
Se é preciso manter estabilidade nas contas públicas e ao mesmo tempo buscar mais recursos, inclusive para programas sociais, é preciso achar a fonte desse dinheiro. Um dos caminhos, na avaliação de Sandroni, seria lançar um imposto sobre a riqueza acumulada pelas famílias mais ricas. Essa alternativa poderia aliviar o sofrimento dos mais pobres sem desarrumar as contas públicas ou mesmo afetar o padrão de vida dos que vivem no topo da pirâmide.
O argumento que tal imposto poderia causar fuga de investimentos no país é rechaçado pelo economista. “Esse é um argumento usado por quem protege os ricos. E o tipo de ameaça que não tem fundamento especialmente se o imposto incidir sobre o patrimônio de pessoas físicas, e não de empresas que é a minha proposta. Nenhum empresário vai mudar sua empresa para o exterior se seu patrimônio individual receber uma taxação adicional e pequena em proporção a sua fortuna”, afirma.
Tramita no Senado projeto de lei que prevê a criação de um imposto sobre grandes fortunas com o objetivo de arrecadar recursos para o combate à pandemia de covid-19. Trata-se do PLP 101/2021, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). De acordo com a proposta, seriam tributados os patrimônios acima de R$ 4,67 milhões. No entanto, mesmo diante da necessidade, ele se encontra parado no Congresso.