O plenário da Câmara aprovou nesta quarta-feira (4) o projeto de lei do pacote anticrime (PL 10372/18). O texto-base foi aprovado por 408 votos a favor, 9 contra, e 2 abstenções e, posteriormente, os parlamentares rejeitaram um destaque do partido Novo, que pedia a retirada do texto da figura do juiz de garantias, um magistrado responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e que não fará o julgamento do mérito do fato.
O PL segue para análise do Senado. Mais cedo, os deputados aprovaram um pedido de tramitação em regime de urgência do PL, que foi aprovado por 359 votos a 9.
Os deputados aprovaram o substitutivo do deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), seguindo o texto do relator do grupo de trabalho, deputado Capitão Augusto (PL-SP). O grupo de trabalho analisou dois textos sobre o assunto encaminhados ao Legislativo. Uma das propostas originais foi elaborada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e a outra pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
Para chegar ao texto final, o grupo de trabalho retirou temas polêmicos, como a definição de que não há crime se a lesão ou morte é causada por forte medo (o chamado excludente de ilicitude) e a previsão de prisão após condenação em segunda instância.
Entre os pontos que constam no projeto estão o aumento de 30 anos para 40 anos no tempo máximo de cumprimento da pena de prisão no país e o aumento da pena de homicídio simples, se envolver arma de fogo de uso restrito ou proibido (como fuzis), que passará de 6 anos a 20 anos para 12 anos a 30 anos de reclusão, entre outros casos em que há aumento de penas.
Outra alteração é que a concessão da liderdade condicional dependerá também de o condenado não ter praticado falta grave no presídio nos últimos 12 meses dessa liberação e o comportamento deverá ser considerado bom em vez de satisfatório.
O projeto também aumenta o número de casos considerados como crimes hediondos, em que o condenado não pode contar com anistia, graça ou indulto e deve começar a cumprir a pena em regime fechado. Passam a ser considerado esse tipo de crime, entre outros, homicídio e roubo com arma de fogo de uso restrito ou proibido; furto com uso de explosivo; comércio ou tráfico internacional de arma de fogo e organização criminosa para a prática de crime hediondo. Entretanto, deixou de ser hediondo a posse ou porte de arma de uso restrito por aqueles que não podem fazê-lo.
O direito à progressão de regime, quando o condenado pode passar de um cumprimento de pena mais rigoroso (fechado, no presídio) para outro menos rigoroso (semi-aberto, somente dormir no presídio, por exemplo), dependerá do tipo de crime. Com as novas regras, o tempo exigido varia de 16%, para o réu primário cujo crime tenha sido sem violência à vítima, a 70%, no caso de o condenado por crime hediondo com morte da vítima ser reincidente nesse tipo de crime.
Pontos polêmicos podem voltar
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ressaltou o esforço dos parlamentares na busca de um consenso. “O grupo de trabalho teve representação de todos os partidos e chegou a um resultado de quase unanimidade na Casa”, disse.
Os temas mais polêmicos, segundo ele, poderão ser retomados no ano que vem por meio de novos projetos de lei. É o caso de alterações nas regras que deixam de punir atos cometidos por medo ou defesa – o chamado excludente de ilicitude – e o acordo entre acusado e Justiça para dispensar o julgamento – o chamado plea bargain.
Penas maiores
Crimes cometidos com armas passam a ter penas maiores em certos casos:
- homicídio praticado com arma de fogo de uso restrito ou proibido (fuzis, por exemplo) será punido com 12 a 30 anos de reclusão;
- calúnia, injúria e difamação divulgados em redes sociais terão pena três vezes maior;
- roubo com uso de arma branca (faca) terá pena a mais de 1/3 a metade da pena normal;
- roubo praticado com violência ou grave ameaça à vítima e uso de arma de uso restrito ou proibido terá o dobro da pena;
- a denúncia de crime de estelionato não dependerá da vontade da vítima se ela for criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental ou incapaz, idoso com mais de 70 anos e a administração pública.
Crimes hediondos
O substitutivo aumenta o número de casos considerados hediondos e pelos quais o condenado não pode contar com anistia, graça ou indulto e deve começar a cumprir a pena em regime fechado.
Assim, passam a ser considerados hediondos os crimes de:
- homicídio com arma de fogo de uso restrito ou proibido;
- roubo com restrição de liberdade da vítima;
- roubo com uso de arma de fogo de uso proibido ou restrito;
- roubo que resulte em lesão corporal grave da vítima;
- extorsão com restrição de liberdade da vítima ou lesão corporal grave;
- furto com uso de explosivo;
- posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido;
- comércio ou tráfico internacional de arma de fogo;
- organização criminosa para a prática de crime hediondo.
Entretanto, deixa de ser hediondo a posse ou porte de arma de uso restrito por aqueles que não podem fazê-lo. As de uso restrito são aquelas mais potentes, usadas principalmente pelas polícias e Forças Armadas, geralmente pistolas e revólveres de calibre maior.
Estatuto do Desarmamento
No Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), a pena para quem lidar com armas de uso proibido aumenta de 3 a 6 anos de reclusão para 4 a 12 anos de reclusão.
Isso inclui usar, portar, fabricar ou entregá-la a criança ou adolescente.
O comércio ilegal de arma de fogo passa a ter pena de 6 a 12 anos de reclusão (atualmente é de 4 a 8 anos). Já o tráfico internacional dessas armas passa de 4 a 8 anos para 8 a 16 anos. Os reincidentes nesses crimes e também no porte ilegal de qualquer arma terão a pena aumentada da metade.
Ainda nesses dois tipos de crime, poderão ser condenados aqueles que venderem ou entregarem arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização, a agente policial disfarçado quando houver indicativos de conduta criminal preexistente.
A regra permite a validação de flagrantes em operações especiais com agentes infiltrados.
Progressão de regime
A chamada progressão de regime, quando o condenado pode passar de um cumprimento de pena mais rigoroso (fechado, no presídio) para outro menos rigoroso (semi-aberto, somente dormir no presídio, por exemplo), dependerá do tipo de crime.
Atualmente, a regra geral é que a pessoa tenha cumprido pelo menos 1/6 da pena no regime anterior. Para crimes hediondos, a exigência é de 2/5 (40%) da pena se o réu for primário e de 3/5 (60%) se reincidente.
Com as novas regras, o tempo exigido varia de 16%, para o réu primário cujo crime tenha sido sem violência à vítima, a 70%, no caso de o condenado por crime hediondo com morte da vítima ser reincidente nesse tipo de crime. Neste último caso, o condenado não poderá contar com liberdade condicional, mesmo se não for reincidente.
Em relação a esse tema, o texto de Lafayette de Andrada inclui dispositivo que proíbe o condenado por crime praticado por meio de organização criminosa ou por fazer parte dela de progredir de regime ou ainda de obter liberdade condicional. Para isso, devem existir provas de que ele mantém vínculo com a organização.
Advogado para policial
Segundo o texto aprovado, policiais sob investigação pela morte de alguém sem confronto ou legítima defesa no exercício de suas funções poderão contar com advogado pago pela corporação para defendê-lo em processos extrajudiciais e inquéritos policiais militares.
Isso ocorrerá se o profissional não indicar seu próprio defensor e se não houver defensor público com atribuição para atuar na região do inquérito.
A regra vale ainda para militares que atuarem em ações de policiamento e combate ao crime para a garantia da lei e da ordem (GLO).
Tráfico de drogas
Outra novidade em comparação com o texto do grupo de trabalho é a que considera crime de tráfico de drogas, punível com reclusão de 5 a 15 anos, quando o acusado entrega ou vende a policial disfarçado drogas, insumos, matéria-prima ou produto químico para fabricá-la.
Prisão preventiva
Uma das mais conhecidas medidas cautelares é a prisão preventiva. Ela não poderá ser decretada por decisão própria do juiz, dependendo de requerimento do Ministério Público, do delegado ou da parte que se sente sob risco.
Além de situações atuais, como garantia da ordem pública ou prova de crime, o projeto inclui o caso de perigo gerado pela liberdade do suspeito a quem o crime é imputado.
De todo modo, a decisão deve ser motivada e fundamentada segundo a existência concreta de fatos novos ou atuais que justifiquem a prisão.
Proibições
Será proibida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipar o cumprimento da pena ou como consequência imediata da investigação criminal ou da apresentação ou recebimento da denúncia.
Como a decisão deve ser fundamentada, o projeto lista situações nas quais ela não será considerada com fundamento, seja no meio do processo, no momento da sentença ou da decisão de colegiado.
Assim, a prisão preventiva não poderá ser decretada com esses argumentos:
- apenas indicação ou reprodução de trecho de lei ou outro ato normativo sem explicação da relação com a causa;
- emprego de conceito jurídicos indeterminados sem explicação do motivo concreto para pedir a prisão;
- argumentar com motivos que poderiam justificar qualquer outra decisão em vez da prisão;
- deixar de contestar argumentos contrários à prisão preventiva;
- citar precedente ou súmula sem identificar os pontos do caso em questão que se encaixam nesses parâmetros;
Quando a prisão preventiva for decretada, o juiz poderá revogá-la também a pedido das partes e não mais apenas no andamento do processo, mas também no decorrer da investigação.
Após a prisão preventiva, o órgão que tomar a decisão deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, também com decisão fundamentada, de ofício. Se passar o prazo, a prisão preventiva será considerada ilegal.
Prisão em flagrante
O projeto proíbe que o juiz conceda liberdade provisória a quem for preso em flagrante se a pessoa for reincidente, se fizer parte de organização criminosa ou milícia ou se portar arma de fogo de uso restrito. A negação de liberdade provisória poderá ser com ou sem outras medidas cautelares.
Audiência de custódia
Atualmente, o Código de Processo Penal prevê que, ao saber da prisão em flagrante, o juiz deverá soltar o acusado, conceder liberdade provisória com ou sem pagamento de fiança ou converter a prisão em flagrante em prisão preventiva.
Com a redação dada pelo substitutivo, o juiz deverá, após saber da prisão em flagrante, realizar uma audiência com o acusado e o Ministério Público em 24 horas.
Com base nessa audiência é que o juiz deverá decidir se soltará o suspeito ou não. Caso a audiência não se realize nesse prazo, a prisão será considerada ilegal, mas o juiz poderá decretar a prisão preventiva imediatamente.
Com informações da Agência Câmara. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil