Existe atualmente uma divisão no debate político brasileiro. De um lado, há quem dê como certo um golpe de estado do presidente Jair Bolsonaro (PL) caso ele seja derrotado nas eleições gerais de outubro deste ano. Do outro, quem acredite piamente que tudo não passa de bravata e fanfarronice e que não há condições práticas para um golpe de estado. O fato é que, seja qual for o resultado e o dia seguinte, não sairemos ilesos do processo.
O problema é pensar que há apenas dois cenários possíveis: a derrota de Bolsonaro e a consequente a salvação da democracia ou a sua destruição, quando há muito mais possibilidades, nenhuma delas particularmente fácil para o brasileiro. Sim, Bolsonaro dificilmente conseguiria mobilizar grupos para ser capaz de implementar uma ditadura e mesmo que conseguisse isso, seria mais difícil ainda mantê-la. E totalmente impossível fazê-la dar certo. Mas o que acontece se, de fato, ele tentar?
Sabemos que vamos enfrentar um cenário de guerra. Talvez literalmente. E em guerras, sempre há mortes e sequelas. Provavelmente Bolsonaro perderá. E não aceitará isso. Até porque sabe que, sem a proteção de foro privilegiado e de Procuradoria da República e Polícia Federal aparelhadas, as investigações sobre ele, seus filhos e aliados serão devastadoras. Então, pra ele, cadeia sem resistência e cadeia por tentar um golpe, a segunda opção compensa mais. Renderá o apoio dos seus seguidores fanáticos (desculpe o pleonasmo).
Vamos imaginar que o melhor aconteça: Bolsonaro é derrotado e mesmo com alguma arruaça ou até mesmo uma tentativa de golpe explícita não tenha sucesso. O que acontece depois? O próximo presidente terá tranquilidade para trabalhar? As forças armadas aceitarão deixar o protagonismo político que sempre gostaram de ter? O Congresso não armará uma nova trapaça como fizeram com Dilma Rousseff? Aliás, parece até já estar se antecipando com a proposta do semipresidencialismo.
Tudo passa pela ilusão de que qualquer um dos lados antagonistas nessa história terá pleno controle no momento do clímax dessa trama. Ninguém tem. Nem as forças democráticas, nem as militares, nem os bolsonaristas. Uma vez que a tentativa de golpe for iniciada, as consequências são imprevisíveis. E terão consequências, mesmo se Bolsonaro não estiver no Palácio do Planalto em janeiro de 2023.
Claro, derrotar o bolsonarismo, devolver o poder a um gestor público com mínima decência é fundamental. Seja ele quem for. Mas mais importante do que saber o que fazer com o bolsonarismo no poder é saber o que fazer com ele fora. Achar que os problemas vão acabar com a simples saída de Bolsonaro do Planalto é achar que estamos em um filme de Hollywood onde o vilão perde no final do filme e todos são felizes para sempre. Isso não acontecerá.