Contexto

Brasil caminha para uma tempestade econômica perfeita

Na tentativa de se manter no cargo e conseguir um segundo mandato nas eleições gerais de 2022, o presidente Jair Bolsonaro (PL) articulou apoio no Congresso Nacional contra um processo de impeachment em 2020, além de um gigantesco pacote de benefícios financeiros que visava principalmente a fração mais pobre do eleitor este ano. O problema é que, segundo economistas ouvidos pelo Vocativo, essa engenharia financeira terá efeitos devastadores na economia do país.

PEC Kamikaze

Em julho deste ano, o Senado aprovou a chamada PEC do Estado de Emergência (PEC 15/22), também conhecida como PEC Kamikaze. A proposta permitiu ao governo Bolsonaro gastar por fora do teto de gastos mais R$ 41,25 bilhões até o fim do ano para aumentar benefícios sociais, conceder ajuda financeira a caminhoneiros e taxistas, ampliar a compra de alimentos para pessoas de baixa renda e diminuir preços do etanol.

“As manobras que foram feitas evidentemente com cunho eleitoreiro vão ter consequências muito severas para o funcionamento da economia e para a função social do Brasil, principalmente no próximo ano. Isso porque, por um lado, essas manobras elevaram de forma muito acentuada os gastos do governo e essa elevação, do modo que foi feito, vai requerer uma elevação da dívida pública. Não se consegue pagar essa dívida com a arrecadação que o governo realiza” explica Marcelo Gomes Ribeiro, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Observatório das Metrópoles.

Uma represa prestes a romper

Para Paulo Sandroni, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (USP) o primeiro item a ser diretamente impactado será o preço da gasolina. “A situação econômica do Brasil está sendo mascarada e represada e vai explodir a partir de janeiro, a começar pelo preço da gasolina, que estão segurando. Passada a eleição, qualquer que seja o vencedor, ela terá de ser reajustada. Além disso, todas aquelas insenções aplicadas aos postos só valem até dezembro. Com isso teremos uma forte pressão inflacionária a partir de 2023”, explicou Sandroni.

O aumento do déficit público será outro problema a atingir a economia no próximo ano. “O déficit público vai crescer muito com o teto de gastos já arrombado. Isso vai provocar uma desconfiança generalizada, o que deve resultar em uma manuteção de taxa de juros muito alta. Tudo isso conspira contra o investimento”, alerta Sandroni.

“Isso vai se traduzir em aumento da dívida pública. Uma outra consequências é que essas manobras provocaram uma desorganização no orçamento da União, em função de todas as restrições fiscais existentes na nossa legislação. Essas restrições podem ser questionáveis, mas precisam ser respeitadas. Vai ser difícil reorganizar no próximo ano de modo a poder garantir a continuidade do financiamento dos gastos sociais”, lamenta Marcelo Ribeiro.

“A conta das manobras fiscais vai ter que ser paga em algum momento pelo próximo governo e as restrições orçamentárias decorrentes da forma como o atual governo conduz a questão tende a gerar constrangimentos para o financiamento das políticas sociais”, reforça o alerta Juliana Bacelar, professora do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio grande do Norte (UFRN).

Impacto social grave

Marcelo Ribeiro lembrou ainda a diminuição do valor pago pelo Auxílio Brasil. “Uma das coisas que já está colocada na lei de diretrizes orçamentárias para o ano que vem éa redução do valor do Auxílio Brasil para um valor de R$ 403,00. E com o efeito inflacionário que nós temos acompanhado – apesar desse efeito ter diminuído nos últimos tempos – principalmente no custo dos alimentos, isso faz com que o poder de compra desse auxílio tem uma redução maior em efeitos reais. A expectativa do ponto de vista social é preocupante”, afirma.

“Se o governo quiser manter o Auxílio Brasil em R$ 600,00, terá de fazer uma pirueta, porque essa é a promessa que os dois candidatos estão fazendo. Isso vai gerar uma pressão adicional ao déficit público. Então a situação para o próximo ano é preocupante. Devemos ter uma nova explosão de preços”, lamenta Paulo Sandroni.

Juliana Bacelar concorda que o resultado da eleição no próximo dia 30 de outubro também terá impacto na questão fiscal do país. “Deve-se levar em consideração também que o resultado das eleições não será neutro, pois a visão dos candidatos e seus compromissos são muito distintos. Em termos socioeconômicos, precisamos avançar no redesenho das políticas sociais, na retomada de uma política de valorização do salário mínimo”, afirma a economista.

Orçamento Secreto

Há outro ponto a ser considerado: o chamado Orçamento Secreto, também conhecido como as já famosas Emendas do Relator RP-9. Segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) publicado pelo Vocativo na última sexta-feira (21/10/2022), dos R$ 19 bilhões destinados às emendas de relator RP-9 representam nada menos do que 15% de todas as despesas discricionárias da União em 2023 que somam R$ 132,2 bilhões.

Ou seja, de cada R$ 100 reais gastos pela União em todo o Brasil e para todas as políticas públicas, pelo menos R$ 15 serão gastos a partir de indicação política do relator do orçamento juntamente com partidos que controlam o orçamento secreto (PP, PL, PSD, União Brasil e Republicanos). E não há como deixar de pagar esse dinheiro a esses partidos, uma vez que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO – PLN 5/22) tornou obrigatória a execução das emendas de relator-geral do Orçamento.

O grande problema do Orçamento Secreto é que, justamente por ser secreto e difícil de rastrear, não se sabe ao certo seu valor, o que pode ser bem mais do que esses R$ 19 bilhões. “Se a gente não consegue saber o tamanho do rombo criado e do rombo que ainda será criado, com a continuação desse esquema, a gente nem sabe, do ponto de vista econômico e social, das implicações”, afirma Monica de Bolle, economista e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos.

“O que sabemos é que esse esquema vai gerar uma crise de proporções enormes porque inclusive ela vai aparecer sob outras facetas. O Orçamento Secreto foi declarado inconstitucional pelo Tribunal de Contas da União (TCU), então você abala a própria Constituição. Então você vai criando pequenas crises dentro de uma enorme crise econômica que já está contratada, só não se manifestou. Quem teme a desordem econômica do PT, saiba que o governo Bolsonaro prepara uma de proporções superiores”, afirma de Bolle.

Salário mínimo x inflação

Durante esta semana, a impresa nacional noticiou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, prepara uma proposta para acabar com a correção pela inflação passada do salário mínimo e dos benefícios previdenciários. A ideia é apresentar uma proposta de emenda constitucional (PEC) no dia seguinte ao segundo turno. Segundo Monica de Bolle, se aprovada, essa medida teria efeito devastador.

“Isso vai ter efeito absolutamente devastador para famílias de baixa renda e para pensionistas, cujas pensões são indexadas ao salário mínimo. Somado ao cenário de inflação alta e até se acelerando com o cenário que o Bolsonaro está deixando, acabou a renda das pessoas. Ela vira pó. Essa é outra discussão precisa ser colocada às claras”, alerta Monica.

“Não estranhe se por causa da corda esticada pelo Bolsonaro com o Orçamento Secreto estejam novamente flertando com essa história de desvincular o salário mínimo da inflação. E isso teve pouca repercussão. As pessoas estão tão confusas que não estão percebendo coisas básicas”, lamenta a pesquisadora. “Estão vivendo de presente para pagar o futuro”, lamente de Bolle.

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