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Bolsonaro edita MP que muda regras de moderação em redes sociais

O presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória (MP) que altera o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e regras de moderação de conteúdo e de perfis em redes sociais. A íntegra do texto foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) nesta segunda-feira (06/09/21).

A medida foi considerada inconstitucional e autoritária por especialistas, que avaliam a atitude do presidente como em benefício próprio e de seus apoiadores, alvos de inquéritos no Supremo Tribunal Federal justamente por publicação de conteúdos que atacam a democracia no Brasil. De acordo com o Ministério do Turismo, o objetivo é “tornar mais claro os direitos e as garantias dos usuários de redes sociais que, no Brasil, já somam cerca de 150 milhões de pessoas”.

Inconstitucionalidade

Nas redes sociais, especialistas da área do direito afirmam que a medida não tem qualquer respaldo legal e não deve avançar. “A Medida Provisória editada por Bolsonaro que altera o Marco Civil da Internet é flagrantemente inconstitucional, tanto sob o aspecto formal quanto material”, afirmou Rafael Valim, Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) em sua conta no Twitter.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, afirmou também em sua conta no Twitter que a entidade já está se articulando para derrubar a alteração. “Informo que a OAB já estuda remédios legais contra a MP que altera o Marco Civil da Internet. Não vamos permitir retrocessos que favoreçam notícias falsas e desinformação”, garantiu.

“A MP 1068 que altera o Marco Civil é chapadamente inconstitucional. O porteiro do STF a declararia, o estagiário. É o fim da picada! Uma MP em proveito próprio, para poder fazer Fake News à vontade! Não vingará!” afirmou Lenio Luiz Streck, mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Entidades da sociedade civil ainda analisam o conteúdo da MP, mas há preocupações com a definição de novos conceitos sem debate prévio. “Não faz sentido essa definição de rede social apenas aquelas com 10 milhões de usuários. Além disso, pela MP, a definição de rede social não se aplica aos aplicativos de mensagem instantânea e chamadas de voz, mas o Facebook permite chamada de voz e troca de mensagem instantânea. O Instagram também permite. E ambas não são redes sociais?”, questiona Paulo Rená, professor e pesquisador em direitos digitais e integrante da Coalizão Direitos na Rede.

Sobre a moderação de conteúdo, que estabelece exceções para que um conteúdo ou uma conta sejam suspensos, bloqueados e ou excluídos, o pesquisador aponta para as possíveis dificuldades de aplicação da lei. “São tantas exceções, e exceções tão abertas, que vai gerar uma dificuldade imensa de saber o que está na exceção ou não. Essa norma tem um conteúdo confuso, complexo e é surpreendente porque não houve debate”, acrescenta.

Novas regras

A MP estabelece que não haverá exclusão, suspensão ou bloqueio da divulgação de conteúdos gerados pelos usuários nem de serviços e funcionalidades dos perfis nas redes sociais, exceto nas hipóteses de “justa causa”. Essas hipóteses também terão de ser motivadas, ou seja, devem ser previamente justificadas.

No caso dos perfis mantidos em redes sociais e plataformas, é considerada justa causa para bloqueio, suspensão ou exclusão situações como inadimplência do usuário em alguma rede paga, contas criadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros, com exceção do direito ao uso do nome social, pseudônimo ou nos casos de perfis de paródia e humor. 

Também estão incluídas na hipótese de justa causa contas preponderantemente geridas por programa de computador ou tecnologia para simular ou substituir atividades humanas. Na lista com justa causa são consideradas ainda as contas que ofertem produtos ou serviços com violação de patente, marca registrada e direitos autorais e de propriedade intelectual, além das envolvidas em práticas reiteradas de ações como divulgação de nudez, representações explícitas de atos sexuais, prática, apoio e promoção de crimes como pedofilia, terrorismo, tráfico de drogas, incitação de atos de ameaça ou violência, incluindo violência contra animais, incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado, entre outras.   

O texto prevê a restituição do conteúdo disponibilizado pelo usuário na rede social caso não sejam cumpridos os requisitos previstos para a moderação. O provedor de redes sociais será ainda obrigado a notificar o usuário, identificando a medida adotada e apresentando a motivação da decisão de moderação e as informações sobre prazos, canais eletrônicos de comunicação e procedimentos para a contestação e a eventual revisão da decisão.  

Em outro dispositivo, a MP veda aos chamados provedores de redes sociais a adoção de critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa. A norma apresenta uma definição jurídica do que é rede social, estabelecendo que apenas plataformas com mais de 10 milhões de usuários seriam enquadradas dessa forma. Essa definição não existia anteriormente no Marco Civil da Internet. Em outro ponto, a medida exclui da definição de rede social aplicações de internet que se destinam à troca de mensagens instantâneas e às chamadas de voz, assim como aquelas que tenham como principal finalidade a viabilização do comércio de bens ou serviços. 

Informações claras

A MP estabelece ainda novos dispositivos que trata do direito a informações claras, públicas e objetivas sobre as políticas, procedimentos, medidas e instrumentos utilizados para efeitos de eventual moderação de conteúdo, bem como do direito ao exercício do contraditório, ampla defesa e recurso quando ocorrer moderação de conteúdo pelo provedor de rede social.

A MP foi elaborada pela Secretaria Especial de Cultura, vinculada ao Ministério do Turismo, e recebeu parecer favorável da área jurídica do governo. Pelas redes sociais, o titular do órgão, Mario Frias, defendeu a MP. “Felizmente, hoje, o presidente assinou a Medida Provisória que garante a liberdade nas redes sociais. Nosso país não ficará refém da censura de um oligopólio. Não mais”, escreveu.  

Por ser uma Medida Provisória, as novas regras entram em vigor de forma imediata e valem por até 120 dias. Dentro desse prazo, precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional para não perder a validade. No entanto, há um espaço de 30 dias para que as empresas possam se adequar às novas regras.

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