Opinião

Bolsonaro e Queiroga estão tentando nos fazer passar por idiotas

Pergunte a si mesmo: ainda que essa consulta pública sobre vacinar crianças contra a Covid-19 fosse séria (e não é), você realmente acha que Bolsonaro aceitaria o resultado? O objetivo desse circo é outro: sobrevivência. De bolsonaristas, no caso

A consulta pública sobre vacinação contra covid-19 de crianças de 5 a 11 anos feita pelo Ministério da Saúde embora afirme ter como objetivo “informar e conhecer as dúvidas e contribuições da sociedade científica e da população”, pretende, na verdade, promover mais um jogo de cena com a opinião pública. E, como de costume, está conseguindo.

Como todos sabem, o Ministério colocou no ar nesta sexta-feira (24/12/21) um questionário confuso, com perguntas vagas e sem qualquer filtro que pudesse evitar a presença de robô sobre a vacinação dessa faixa etária. Como esperado, foi um fiasco: apenas 50 mil formulários eram permitidos, o que foi rapidamente alcançado, encerrando a consulta.

Para completar, para o ministério, a vacinação não deve ser compulsória e, para a aplicação do imunizante, “será exigida prescrição médica e autorização dos pais ou responsáveis, mediante assinatura de termo de assentimento”.

Nas redes sociais, a opinião pública e a comunidade científica estão revoltados. Em todas partes surgem manifestações de protesto e inconformismo, além de apelos para que decisão seja revista. Muitos já mostram cansaço e desgaste com mais uma ação absurda do governo nessa pandemia. Mas independente disso, cabem algumas perguntas e reflexões para entender o que, de fato, está acontecendo. Vamos a elas:

O resultado serviria para alguma coisa?

Antes de mais nada, pare e pergunte a si mesmo: ainda que essa consulta fosse séria (não é e nunca foi), qualquer que fosse o resultado – se a favor, seja contra – ele seria usado? Alguém aqui realmente acha que Bolsonaro ouviria alguém que não fosse ele mesmo? E sim, é sobre Bolsonaro, porque Marcelo Queiroga, como qualquer outro ministro, só está onde está porque segue as vontades do presidente, então, não sejamos ingênuos. O que conta é ele.

Ora, se Bolsonaro não quisesse vacinar crianças, determinaria ao Ministro da Saúde para não incluí-las no Programa Nacional de Imunizações (PNI) e ponto final. Como faz a respeito de armas, agrotóxicos, leis ambientais e todas as outras medidas nocivas que tem feito nesses três anos. Se alguém quisesse o contrário, que fosse até o STF e que este, como sempre tem acontecido, determinasse. A própria existência de um plano de vacinação contra a Covid-19 só aconteceu assim.

E como ficam as crianças?

Marcelo Queiroga já anunciou que a decisão sairá no dia 05 de janeiro. Faço aqui a mesma aposta que fiz no texto antes do 07 de setembro, quando muitos faziam previsões apocalípticas sobre a democracia, ao invés de analisar os fatos com a lógica: as crianças serão incluídas no PNI e, assim que chegarem as doses (aí não arrisco data), elas serão vacinadas.

Ora, mesmo com todos os ataques antivacina de Bolsonaro, a população se vacinou em peso. Por que agora seria diferente? Por mais obrigatória que seja a vacina, ela nunca foi imposta à força. E não será agora. E muitos pais, por mais negacionistas que sejam, irão vacinar seus filhos por medo de serem enquadrados por violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Então pra que essa enquete?

Há algumas hipóteses para que ela tenha acontecido: a primeira delas é que não há doses para as crianças. Vale lembrar que não são as mesmas dos adultos e que, por esse motivo, devem ser compradas junto à Pfizer. É uma possibilidade, mas não faz muito sentido. Explico.

Se o problema é a falta de doses, bastaria ao governo incluir as crianças e afirmar que esperava a decisão da Anvisa antes de fazer a compra, jogando a responsabilidade para a Pfizer. Negligente? Sem dúvida, mas menos espalhafatoso do que essa consulta. Não parece ser isso.

Mais do que manter a base: sobrevivência

A meu ver, há uma outra explicação mais consistente e mais óbvia: manter a base radical pensando nas eleições. Sim, esqueça saúde pública ou bem estar da população. A única coisa que move esse governo são as eleições de 2022. E há boas razões para isso.

O problema é que a queda de popularidade do governo Bolsonaro (e do bolsonarismo como todo) parece irreversível. Mesmo a aprovação do Auxílio Brasil não dá sinais de que vá mudar esse quadro. Por outro lado, ele precisa se manter vivo na disputa. Com movimentos negacionistas, o presidente mantém a popularidade da faixa de 20% do eleitorado que o seguem de maneira incondicional. E assim chega com potencial para ir para o segundo turno.

Mas mais do que isso: o presidente sabe que precisa desesperadamente não só de um novo mandato, mas de uma base eleitoral no Congresso, ainda que não seja reeleito. Vou além: os integrandes do governo e figuras do bolsonarismo externas também precisam muito. Não é só pela manutenção do poder, mas pela sobrevivência mesmo.

Com os órgãos de controle (Polícia Federal e Procuradoria da República) livres do controle do bolsonarismo, quantos esquemas de corrupção não virão à tona? Casos da Covaxin, do superfaturamento de cloroquina, planos de saúde, tráfico de influência e outros vistos durante a pandemia serão alvo de auditorias, com consequências imprevisíveis. Mas deputados e senadores bolsonaristas podem travar ou atrapalhar essas investigações. Como já vimos na CPI da Pandemia.

Daí a importância de manter (ou adquirir) foro privilegiado e ter base no legislativo, seja federal, seja estadual. Vale lembrar que é em São Paulo, por exemplo, onde corre a investigação do Caso Prevent Senior. Não é coincidência o anúncio de figuras como Nise Yamaguchi disputarem cargos públicos. Só que pra conseguir esse escudo, vai ser preciso uma grande quantidade de votos.

A base radical de 20% do bolsonarismo pode não ser suficiente para eleger um presidente ou governadores, mas é suficiente para eleger bancadas expressivas, pelo menos para figuras que se “destacaram” durante a pandemia, como Queiroga, Yamaguchi e outros. Mas para isso, é preciso engajamento e coesão. E nada melhor do que fatos que mobilizem essa base, como essa tal “consulta pública”.

Então não perca seu tempo pensando em votar. Ela nunca teve intuito de estabelecer uma política de vacinação para as crianças. O único motivo dessa farsa existir é para tentar salvar a pele dessas figuras nefastas. Resta saber se vai funcionar.

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