Em menos de 24 horas, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu desagradar ao mesmo tempo dois poderes da República. A essa altura do campeonato, ele parece agir como os típicos vilões de filmes e novelas quando, isolados e acuados, incendeiam o próprio quartel-general.
Nesta sexta-feira (20/08/21), o presidente entrou com pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda nesta sexta, Bolsonaro vetou o aumento no fundo eleitoral e cogita tirar de tramitação a reforma do Imposto de Renda, irritando partidos do chamado Centrão. Mas afinal, o que ele pretende com isso?
STF
A luta de Bolsonaro contra o STF é pública e escancarada há tempos, mas a novidade é que a Corte resolveu revidar. Ainda nesta sexta, a Polícia Federal cumpriu 13 mandados de busca e apreensão em operação que tem entre os alvos o cantor Sérgio Reis e o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ). Os mandados foram expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), no âmbito das investigações sobre ataques a instituições. Sergio Reis e Otoni de Paula são aliados do presidente Jair Bolsonaro.
Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes aceitou a notícia-crime enviada pela Justiça Eleitoral para apurar o suposto vazamento de informações sigilosas sobre a investigação da Polícia Federal (PF) que apura um ataque de hackers ao sistema de informática do TSE em 2018. Na época, o tribunal declarou que o ataque não comprometeu a segurança da votação.
O pedido de investigação foi feito no dia 9 de agosto pelo TSE, presidido por Barroso, para apurar a suposta conduta de divulgação indevida de informações sigilosas reservadas. No documento, os ministros citam o presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) e o delegado responsável pelo caso, Victor Neves Feitosa Campo. Segundo o TSE, no dia 4 de agosto as peças sigilosas foram divulgadas nas redes sociais.
Também na semana passada, foi de Alexandre de Moraes, do STF, a decisão de mandar prender o ex-deputado federal Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, no inquérito que apura supostas ações para tentar desestabilizar a democracia e a instituições de Estado. Essa investigação foi aberta no início de julho no Supremo.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por sua vez, disse em entrevista à imprensa que não antevê critérios que justifiquem o andamento do processo. Vale lembrar que não existe previsão constitucional de impeachment de ministro do STF. No entanto, o inciso II do artigo 52 da Constituição diz que compete ao Senado processar e julgar ministros do STF quanto a crimes de responsabilidade.
Centrão
Mas não foi apenas com o órgão máximo do judiciário que Bolsonaro entrou em rota de choque. Bolsonaro vetou o aumento do Fundo Eleitoral, que havia passado de R$ R$ 2 bilhões para mais de R$ 5,7 bilhões. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sancionada será publicada na edição do Diário Oficial da União (DOU) na segunda-feira (23).
Esperava-se que Bolsonaro vetasse apenas uma parte desse aumento, corrigindo o valor pela inflação. Mas não foi o que aconteceu. E isso deve desagradar especialmente os partidos do chamado Centrão, que eram os principais beneficiados com o aumento para as eleições em 2022.
Como se não bastasse, o governo também cogitou a retirada de tramitação da reforma do Imposto de Renda. Essa hipótese, porém, irritou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a ala política do governo -que agora se esforça para encontrar consenso em torno de uma nova proposta.
Peças no tabuleiro
Se antes existia alguns ministros no STF dispostos a dialogar com o Planalto, essa possibilidade acabou completamente com esses movimentos de hoje. De quebra, causar prejuízo financeiro e eleitoral para sua base de sustentação no Congresso é a pior ideia que Bolsonaro poderia ter nesse momento, em que a rejeição do seu governo é recorde e o ex-presidente Lula, favorito nas pesquisas para a eleição presidencial em 2022, começa a estabelecer contatos nos estados.
Restam os militares, mas se antes os comandantes das forças armadas pareciam prontos para a guerra, literalmente falando, os últimos movimentos do grupo parece um tanto nebuloso e dividido. O ministro da defesa, General Braga Netto, por exemplo, foi até a Câmara e ouviu até ameaças de prisão. E, ao contrário do episódio da nota conjunta contra a CPI da Pandemia, dessa vez engoliu seco.
Por outro lado, o general Augusto Heleno, do Gabinete de Gabinete de Segurança Institucional (GSI) até fez um aceno golpista na Rádio Jovem Pan. O vice-presidente Hamilton Mourão não tem mais qualquer constrangimento em criticar ou discordar das medidas de Bolsonaro.
Ainda que alguns militares estejam dispostos a uma aventura golpista, o cenário político e econômico é o mais desfavorável possível. Fazer isso por um presidente que carrega 570 mil mortes em uma pandemia, acusações de corrupção generalizada, mais de 15 milhões de desempregados e inflação galopante parece impensável. Por mais bolsonarista que seja um militar, nem todos são idiotas.
Próximos passos
A sensação é que Bolsonaro sabe que sua situação é insustenável e sua queda, que antes parecia improvável pela base comprada no Congresso, parece cada vez mais plausível. E prepara suas duas cartadas finais. Sem nenhuma garantia de sucesso.
Que ele tentará alguma ação golpista não resta a menor dúvida. Seja com ação de milícias, membros mais extremistas da polícia militar ou do exército. A chance de que isso se reverta em algo positivo para ele é zero, diante da queda vertiginosa de aprovação e aumento da reprovação. Resta o plano B.
Percebendo o isolamento e queda iminente, Bolsonaro pode – e parece estar fazendo exatamente isso – começar a atirar para todos os lados. A ideia pode ser forçar o discurso de que é impedido de governar pelo “sistema”, establishment ou como queiram chamar e assim ou renunciar ou mesmo enfrentar um impeachment, se colocando como vítima.
Há ainda a possibilidade justamente do inverso: Bolsonaro atira para todos os lados, é cada vez mais pressionado pelas instituições e, ao estar prestes a sofrer um impeachment, pode usar isso como pretexto para uma tentativa de golpe institucional. Aí voltam para o palco os militares.
Tanto Braga Netto, quanto Heleno quanto o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos atenuaram esta semana os crimes da Ditadura Militar, inclusive dando a entender que o período nem sequer foi uma ditadura. Essa perfeita sincronia pode parecer estranha, mas talvez tenha um significado.
Ao atenuarem um golpe antigo, talvez o trio, considerado extremamente bolsonarista, busque assim atenuar um eventual novo golpe. Seriam duas frentes de atuação: Bolsonaro de um lado se coloca como cordeiro a ser imolado pelos corruptos de Brasília enquanto os patrióticos militares se colocam como os salvadores do país.
Mas, há também outra possibilidade. Com uma ruptura institucional extremamente difícil e com poucas chances de êxito a longo prazo e com as instituições apertando, resta o apelo emocional mesmo. Bolsonaro pode simplesmente renunciar, se colocando como vítima do sistema e imitando seu grande ídolo Donald Trump.
Mesmo tumultuando a república, o ex-presidente dos EUA acabou aceitando a saída do poder no final das contas. Agora, ele atua para desestabilizar o país do lado de fora, inclusive aproveitando a crise no Afeganistão, que tem custado capital político ao seu adversário Joe Biden. Bolsonaro pode fazer algo parecido. Com seus fiéis apoiadores do lado de fora do Planalto, ele poderia ensaiar o mesmo movimento.