Contexto

Bancos facilitam bilhões à JBS, mesmo com denúncias sobre a Amazônia

Investigação da ONG Global Witness revela que a JBS comprou gado de 144 fazendas que continham mais de 10.000 campos de futebol de desmatamento ilegal da Amazônia, contrariando suas obrigações legais de não desmatamento

A gigante da carne JBS ainda compra gado de pecuaristas envolvidos com a destruição generalizada da floresta tropical e violações dos direitos humanos na Amazônia brasileira. Foi o que revelou nesta sexta-feira (24/06/2022) a Global Witness, ONG internacional criada em 1993 para averiguar vínculos entre a exploração de recursos naturais e contextos políticos.

O levantamento encontrou cerca de 40.000 campos de futebol de desmatamento ilegal na Amazônia e um total de 1.600 fazendas contendo 57.000 campos de futebol de desmatamento, legal ou não. A investigação mostrou, por exemplo, que couro da JBS proveniente de suas problemáticas operações no Pará foi parar em armazéns do Gruppo Mastrotto, conhecida empresa italiana de couro que fornece para grandes fabricantes mundiais de automóveis e móveis.

Os supermercados do Reino Unido também continuam comprando carne enlatada da JBS, mesmo tendo se comprometido a deixar de comprar alguns dos seus produtos, ao passo que grandes bancos internacionais seguem financiando a gigante da carne bovina, apesar dos repetidos fracassos da empresa na remoção do desmatamento e de violações dos direitos humanos de sua cadeia de abastecimento.

O relatório Vacas à Venda expõe um padrão recorrente de grilagem de terras, trabalho escravo e lavagem de gado nas fazendas de um dos fornecedores da JBS no estado do Pará, a família Seronni. A investigação também descobriu que em 2020 a JBS comprou gado de 144 fazendas contendo 10.000 campos de futebol de desmatamento ilegal somente no Pará, contrariando seus acordos de não desmatamento com o Ministério Público. A JBS também não monitorou outras 470 fazendas de ‘fornecedores indiretos’ envolvidas em sua cadeia de abastecimento, novamente em descumprimento de seu acordo com o Ministério Público.

O Gruppo Mastrotto, conhecida empresa italiana, comprou couro do curtume da JBS no Pará, e a Global Witness afirma que esse couro pode estar ligado a desmatamento ilegal, trabalho escravo, grilagem de terras e lavagem de gado . A empresa italiana vende couro para fabricantes de automóveis como o Grupo Volkswagen e a Toyota e para a fabricante de móveis Ikea.

Ao mesmo tempo, em fevereiro de 2022, supermercados britânicos como Sainsbury’s, Asda e Islândia ofereceram produtos de carne bovina ligados à JBS, apesar de algumas dessas redes terem se comprometido a não comprar mais da empresa ou do Brasil. O Morrisons retirou um produto contendo carne bovina da JBS de suas prateleiras depois que a Global Witness apresentou suas conclusões ao supermercado.

Enquanto isso, grandes bancos e investidores como HSBC, Barclays, Deutsche Bank, JP Morgan, Santander e BlackRock continuam apoiando a JBS. Disponibilizam financiamento à empresa apesar das repetidas falhas da JBS em eliminar violações ambientais e de direitos humanos de sua cadeia produtiva, o que contraria muitas das políticas de não desmatamento e compromissos climáticos desses próprios financiadores.

O relatório revela que, em outubro de 2021, empresas de investimento controladas por HSBC, Barclays, Santander, Deutsche Bank, BlackRock, JP Morgan e outras instituições financeiras sediadas na UE e nos EUA ainda detinham ações da JBS no valor combinado de quase US$ 1 bilhão.

“A Amazônia é a maior floresta tropical remanescente do mundo e exerce um papel crucial na manutenção do clima global. Apesar disso, a floresta está sendo desmatada a taxas alarmantes por empresas vinculadas ao problema, como a JBS, que, por sua vez, são financiadas e viabilizadas pelas empresas e bancos que fazem negócios com elas. Enquanto grandes corporações obtêm lucros, as comunidades locais sofrem e os pulmões do planeta continuam a ser dizimados”, explicou Chris Moye, Chefe Interino de Investigações Florestais da Global Witness.

Segundo a ONG, os clientes de alguns dos maiores e mais reconhecidos bancos e empresas da Europa podem, portanto, estar expostos ao desmatamento e graves violações de direitos humanos nas cadeias de abastecimento da JBS. Essas descobertas vêm à tona num momento em que a destruição da Amazônia brasileira atinge níveis recordes.

O desmonte das políticas ambientais e o enfraquecimento dos órgãos fiscalizadores durante o governo Bolsonaro se destacam como os principais riscos que podem levar a Amazônia a um ponto de inflexão irreversível, com consequências devastadoras para os povos indígenas, comunidades locais, o clima global e a biodiversidade.

À medida que as eleições se aproximam e um projeto de lei sobre grilagem de terras está sendo analisado pelo Congresso, o desmatamento da Amazônia e os direitos indígenas se tornaram uma questão ainda mais central no Brasil. Uma pesquisa recente sugeriu que quase 90% dos brasileiros acreditam que é necessário conservar a floresta amazônica porque ela é a maior riqueza do país.

“Se os governos quiserem cumprir o que prometeram na COP26 com relação ao desmatamento, precisam levar a sério os compromissos assumidos na conferência com leis fortes que tornem ilegal — para todas as empresas, inclusive financiadores — fomentar o desmatamento e as violações dos direitos humanos associados ao comércio de carne e couro”, afirma Moye.

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