Covid-19

Autotestes apenas para quem pode pagar ajuda pouco e elitiza, alertam especialistas

Nesta sexta-feira (28/01/22), a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a possibilidade de comercialização de testes de Covid-19 que podem ser aplicados por leigos, em si mesmos ou amigos e familiares, os chamados autotestes. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse, no entanto, que o produto não será distribuído gratuitamente para a população, ficando disponível nas farmácias para “a sociedade que tiver interesse em adquirir”.

Esse formato de teste já está sendo usado há meses em diversos países para ajudar as autoridades de saúde a monitorar a presença do vírus e isolar infectados. Na cidade de Nova York, por exemplo, o Departamento de Educação começou a distribuir mais de 1 milhão de autotestes para as escolas na última semana, possibilitando a distribuição aos estudantes e aos profissionais de educação com sintomas ou que tenham tido contato com pessoas na sala de aula que testaram positivo. 

O autoteste também está sendo utilizado em Portugal, França, Holanda, Bélgica, Itália, Espanha, Alemanha, Áustria, Bulgária, Argentina, Chile e Peru. O Reino Unido os utiliza amplamente, distribuindo-os gratuitamente em farmácias e em domicílios. O fato dele ser distribuído gratuitamente entre a população desses países ao contrário do que acontecerá no Brasil deve fazer toda a diferença.

“[Vai ajudar] pouco, pois a grande finalidade por trás do autoteste deveria ser ajudar o Sistema Único de Saúde (SUS) a ampliar a sua capacidade na detecção de infecções ou casos novos e, com isso, melhorar a resposta sanitária durante a pandemia. No entanto, quando restringimos essa estratégia apenas a uma pequena parcela da população, estamos desvirtuando o espírito de uma política pública que deveria ser inclusiva e não excludente”, lamenta o epidemiologista e pesquisador da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana.

“Do ponto de vista epidemiológico, eu apenas teria um dado um pouco mais próximo do real em termos de infecção. Estamos muito aquém do do que está acontecendo no país. Hoje temos dificuldade de acesso [ao testes comuns] até por quem pode pagar. Se o SUS distribui, eu tenho um retrato da população. Se o SUS não distribui, eu tenho apenas uma fatia dela. Então o autoteste não sendo distribuído pelo SUS elitiza sim”, afirma a também epidemiologista Isabel Leite, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais (UFJF).

Por outro lado, segundo a pesquisadora, mais testes, ainda que não sejam distribuídos gratuitamnte, poderão trazer mais dados, algo tão escasso no Brasil. “Pelo menos eu tenho mais informação. [O autoteste] trará mais informações do que simplesmente não ter”. Isabel Leite, no entanto, faz outro alerta: preços. Com a alta demanda e a ausência de participação estatal nessa política de testagem, a tendência é o valor para os autotestes ficar cada vez mais alto. “Hoje, mesmo quem tem recursos, acha pesado pagar R$ 350 em um teste”, opina.

Como a estratégia vai funcionar

Vale lembrar que, segundo a Anvisa, os autotestes são um procedimento “orientativo”. Eles indicam que alguém pode estar infectado com o novo coronavírus. Contudo, o diagnóstico efetivo só pode ser realizado por um profissional de saúde. Ele servirá como uma forma de triagem, para permitir o auto isolamento precoce e, assim, quebrar a cadeia de transmissão do vírus o mais rápido possível.

Como os autotestes podem dar resultados errados (falso positivo ou falso negativo), é importante procurar um exame de diagnóstico para confirmar o resultado positivo. Em caso de resultado negativo a orientação da Anvisa é que se não houver sintomas a pessoa deve manter as medidas de prevenção. Se os sintomas aparecerem, ela deve realizar um novo autoteste ou um exame de diagnóstico.

Alternativa

Uma alternativa seria governos estaduais e municipais tomarem a frente dessa estratégia e comprarem testes para serem distribuídos para a população. “Quando se afirma ‘distribuido pelo SUS’ significa compra a nível federal para distribuição aos municípios. Não vai dar certo. A demora será fatal. No entanto, um município ou estado pode comprar e distribuir, não deixa de ser pelo SUS”, sugere Paulo Lotufo, também epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP.

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