É um roteiro repetido há anos: bolsonaristas se animam, convocam protestos a favor (coisa ridícula), carreatas e atos na frente de quartéis, implorando por um golpe militar. Seus críticos têm crises de ansiedade no Twitter e já se imaginam no pau-de-arara. No final, nada acontece. E nessa toada, a economia do país e direitos são destruídos e milhares morrem de fome ou de Covid-19. Ninguém se dá conta que Bolsonaro é muito mais perigoso do jeito que está?
O grande problema é que muitos intelectuais, jornalistas, cientistas políticos e estudiosos de prestígio muitas vezes se deixam levar pelo seu medo, ao invés de analisar a situação criticamente, sem emoção e deixam de perceber algo muito claro: Bolsonaro não precisou dar um golpe de estado para trazer o caos para o país.
Por muito tempo eu pensei em escrever esse texto, porque tinha medo de manifestar essa frase em público, mas hoje não tenho mais. Digo sem medo: Bolsonaro é muito mais perigoso do jeito que está. A tragédia brasileira não se dará por um golpe de estado, mas se Bolsonaro conseguir se reeleger ou se mantiver ativo depois de 2022.
Um golpe menos provável
Quando dizemos que um golpe de estado é improvável, não é com base em pensamento positivo, mas em lógica simples. Primeiro porque não falta vontade de bolsonaro e seus apoiadores, inclusive uma parte das forças armadas e das polícias militares. Se não falta vontade, só pode faltar uma coisa: força.
Segundo: bolsonaristas não querem dar um golpe de estado. Bolsonaristas querem que alguém dê um golpe de estado pra eles e os coloque de maneira inquestionável e absoluta no poder. E isso é inviável. Você pode ser bolsonarista fanático, mas entre isso e sair de casa pronto pra levar um tiro, ser preso ou perder o emprego em nome dele vai uma enorme distância. Isso vale para Policiais Militares também.
Terceiro e mais importante: um golpe de estado em um país como o Brasil implodiria o próprio pais. E não falo de democracia ou direitos, mas de dinheiro mesmo. Uma ação dessas teria repercussões infinitamente maiores do que países isolados e economicamente menos representativos, como Myanmar, por exemplo. Alguém já imaginou o que aconteceria com o dólar em caso de golpe? Juros? Relações comerciais internacionais? O economista Igor Lucena explicou brilhantemente isso aqui.
É importante lembrar: golpe não se dá em um local, com simbolismo ou vandalismo, mas com capacidade de decidir, de comandar. De dizer para um país o que fazer e isso ser feito, coisa que nem o próprio Bolsonaro tem mais. Vamos olhar o exemplo do Taliban no Afeganistão, guardadas todas as proporções e diferenças: não teve ameaça ou protesto marcado. Tinham força, apoio de parte expressiva da população e de países importantes e tomaram o poder. E ponto final.
Onde realmente mora o perigo
O perigo mora na divisão das forças democráticas do país há três anos que permite que Bolsonaro siga no poder. De um lado, um grupo que dá ao bolsonarismo uma força que ele não tem, por um perigo que ele não representa. Do outro, um que relativiza e até torce pra ele chegar nas eleições quando tudo se resolverá com um novo salvador eleito. Enquanto isso, somos arrasados pelo caos.
Em quase três anos de governo, entre ameaças furadas e derrotas, Bolsonaro conseguiu fazer despencar investimentos estrangeiros, catapultou o dólar, promoveu a maior depredação ambiental da história do Brasil, destruiu direitos, arrasou a indústria e tem responsabilidade direta na morte de 570 mil brasileiros na pandemia da Covid-19. Sem precisar fechar o STF e sem levante da PM.
O problema é que a parte da opinião pública que deveria ser o ponto de equilíbrio e sensatez em favor da democracia simplesmente cai no jogo do Bolsonarismo e não consegue olhar além do seu medo ou do seu interesse partidário. Observem as redes sociais neste momento.
De um lado, políticos de esquerda denunciando as ameaças contra a democracia para fazer propaganda dos seus partidos/candidatos. Do outro, cientistas políticos com visão limitada de país apavorados com mensagens de WhatsApp achando que Bolsonaro tomará o poder no dia 07, quando sequer consegue formar um partido ou aprovar uma PEC.
E desse jeito vamos levando. E milhões vão perdendo seu emprego, passando fome e morrendo de Covid-19. Enquanto isso temem um golpe que nunca chegou, enquanto ignoram problemas que JÁ ESTÃO AQUI. E que se tornarão piores se o bolsonarismo não for neutralizado e se mantiver ativo.
Bolsonaro não é uma ameaça porque tem capacidade, força e até inteligência para dar um golpe de estado. Ele é uma ameaça porque não conseguem enxergar que ele é muito pior exatamente onde está, fazendo o que está fazendo agora. Vigiar a democracia é fundamental, mas não se vigia olhando pro lado errado.